segunda-feira, 23 de maio de 2011

Missa de Segunda Feira

Casara-se muito jovem, apenas 17 anos, casa pra fugir do fanatismo religioso de sua mãe e dos maltratos de seu pai. Sonhava com sua casa, marido, filhos, uma doce e medíocre vida no subúrbio, nada de agitação, nada de surpresas, apenas uma vida tranqüila, longe de tudo que lhe fizera mal um dia.
Casou-se no cartório sem nenhuma pompa, nem ao menos uma festa para comemorar sua união, como se todos já soubessem que aquele dia deveria ser esquecido, tamanha dor ele causaria!
Voltaram para casa de transporte publico, pois lhes faltava dinheiro para algo mais confortável, chegaram na pequena casa de um cômodo, no fim da tarde.
Ele banhou-se, perfumou-se e se aprontou para sair, quando ela foi fazer o mesmo, recebeu uma tapa no rosto!

- Onde tu pensa que vai?

Aos prantos e completamente transtornada ela respondeu:

- Sair contigo, comemorar nosso casamento!

Ele gargalhou, balançou a cabeça com reprovação.

- Quem tu pensa que é? Alguma vadia? Tua vai ficar em casa! Quando voltar, quero minha janta feita e tu vai estar na cama pronta pra mim!

Ainda aos prantos, ela se levantou e começou a cozinha, como fora ordenado!
Muito se passou entre a hora em que ele saiu e a hora em que ele adentrou o casebre completamente bêbado e exaltado!

- Levanta sua puta! Você pensa que eu não sei de tudo, sua vadia!

Ela levantou-se da cama onde dormia, desesperada.

-Do que você está falando homem?
- Da sua festinha, sua vaca! Acha que eu não sei que a casa estava cheia de macho?
- Homem, você está louco? Estou sozinha desde que você saiu...- mal ela terminara sua frase, ele deu-lhe um tapa, de tamanha violência que a jogou no chão. Ela já chorava alto, quando ele segurou-lhe pelos cabelos e disse entre dentes.
- Tu vai te arrepender do que fez!
Ele bateu a porta e deixou-a sozinha, chorando, se perguntando o que afinal fizera, porque merecera tal tratamento!

A repetição dessa cena chegou a ser uma constante em sua vida, noite e noites regadas por amargas lágrimas de dor, tristeza, vergonha...
A vida com a qual ela tanto sonhara, tornara-se um pesadelo, um inferno dantesco, do qual, ela só podia lamentar...

Os anos se passavam e o consolo que lhe restara era a missa! Dia de missa era sagrado, apesar de não ser religioso, nunca impediu que ela fosse até a pequena capela, era o unico dia da semana em que ela saia sozinha, o trajeto era curto, mas era seu momento de liberdade, saia de casa as 18h, caminhava lentamente até a pequena capela, assistia 40 min de missa e retornava pra casa.
Apesar de curta a estadia na igreja, era revigorante, ela voltava, mais feliz, confiante, com uma nova vida e disposição!

Certa segunda, ela já havia saído para a capela, quando ele recebeu a visita de um casal de amigos.

- Entra pode entrar, Ivete foi à igreja, mas não tarda voltar!

O casal entreolhou-se, ficaram alguns minutos na residência, até que Ivete chegou, sorrindo, como não fazia há anos, completamente satisfeita!!!

- O que foi mulher? Tu viu passarinho verde, foi! - disse franzindo a testa
- Homem, há semanas, oro a Deus e peço que me permita engravidar, hoje ele me deu a confirmação, fiz um teste na igreja mesmo e deu positivo, estou grávida, homem, estou grávida!

Ele levantou-se de um pulo, correu até ela, pela primeira vez abraçou-a!

- Hoje é o dia mais feliz da minha vida!!!

Ele apressou-se a comprar um refrigerante e uma pizza pra comemorar um momento tão especial!
Comeram, riram, conversaram, quando o casal de amigos decidiu ir embora!
Despediram-se, deixaram pra trás um casal feliz, um marido orgulhoso e uma esposa realizada.

Longe da casa a mulher olhou intrigada para seu companheiro, como se esperasse dele um olhar cúmplice:

- Missa de segunda feira?
- Nem me pergunte, mulher, nem me pergunte!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A fuga

Esperou que as luzes já estivessem apagadas há algum tempo, levantou-se silenciosamente, juntou o pouco que ainda lhe restara, lançou um ultimo olhar ao quarto compartilhado, todos dormiam tranquilos, assim só dariam falta dele pela manhã, isso se percebessem sua ausência.
Sempre fora uma criança calada e o crescimento só o tornou ainda mais introspectivo, sofrera muito e jamais permitiria que outra pessoa o machucasse, mesmo que para isso se isolasse por completo de todo o mundo!
Dirigiu-se até a porta dos fundos, tinha conseguido pegar a chave de um dos monitores, passaram meses de castigo por conta disso, até que a diretora acreditou que o monitor a havia perdido.
Girou a chave e ao colocar a mão sobre a maçaneta ouviu passos atrás dele. Respirou fundo, afinal, seus planos de fuga iam por agua abaixo. Antes que se virasse, ouviu uma voz familiar:

- Me leva contigo! - disse docemente.
- Não posso! Não sei para onde vou e você, seria somente uma preocupação a mais! - abriu a porta e antes que saísse ela insistiu.
- Leva-me contigo, não posso mais ficar aqui e sem ti, então, será impossível, leva-me contigo, sei que se aqui eu continuar, vou secar, vou morrer! Salva-se, por piedade, leva-me contigo!

Ele lançou um olhar pensativo ao horizonte, uma densa neblina encobria o céu, deixando a noite ainda mais sombria, fitou o chão, buscando dentro de si uma resposta, sabia que se a levasse não poderiam ficar juntos por muito tempo, pois seria muito difícil cuidar de si mesmo, quem dirá de outra pessoa e ele não queria, não podia ter essa responsabilidade, por outro lado, se a deixasse lá, o que poderia acontecer a ela. Sua expressão endureceu, sabia que eles destruiriam tudo de bom que existia dentro dela. Virou de repente, olhou-a, os olhos dela estava marejados, ele estendeu a mão!

- Venha, mas não faça nenhum barulho, sairemos daqui juntos, mas quando estivermos longe o suficiente, cada um segue seu caminho!

Ela acenou com a cabeça, concordando com o trato, segurou a mão dele e juntos deixaram o casarão!
Nem ao menos olharam para trás, deixaram ali tudo o que queriam esquecer, toda a dor, todo o medo, resultado de anos de reclusão!
Seguiram noite adentro, sem destino, acharam mais seguro caminhar margeando a avenida principal, precisavam apenas ter cuidado com os carros, mas assim conseguiriam estar bem longe até o amanhecer.
De tempos em tempos ele lançava um olhar sorrateiro por cima dos ombros afim de saber como ela estava e se ela ainda o acompanhava! Mas ela parecia decidida, caminhava com o dobro da velocidade para se manter próxima a ele, mesmo a noite fria e escura parecia impedir ela de alcançá-lo!
Depois de refletir um pouco ele parou subitamente, ela quase esbarrou nele, mas parou a tempo.

- O que houve, viste algo? - perguntou ela preocupada - Estas arrependido? Queres voltar? - Sua expressão mudou, ela passou a olhá-lo com pânico.
- Não precisa me olhar assim, não quero nada de você! - ele tirou o casaco que vestia e entregou a ela- Vista, está muito frio, coloque o capuz, é melhor que pensem que somos dois homens, não quero atrair problemas!

Ela corou por um instante, pegou o casaco e fez como ele havia ordenado!
Caminharam até o nascer do sol, quando chegaram até a entrada de outra cidadezinha, já não andavam mais com tanta empolgação, o sono já lhes fazia o corpo pesar.

- Bem, aqui estará em segurança, deixo-te então, preciso seguir meu caminho, e como já tinha te dito, Tu não poderá ir comigo, não sei se conseguirei me cuidar, quem dirá cuidar de ti, então, tenha um boa vida! - disse estendendo-lhe a mão.

Seus olhos encheram-se de lágrimas e um sorriso tímido apontou em seus lábios, ela se atirou em seus braços, encostou a cabeça em seu peito, parecia que queria fundir-se a ele, tamanha era a força do abraço.

- Obrigada, fizeste com que a minha estadia naquele inferno fosse menos dolorosa, foste sempre muito bom pra mim, e sei que mesmo em silencio, tu cuidavas de mim! Obrigada, sem ti ainda estaria lá! Agora posso sonhar com um amanhã e devo isso a ti!

Gentilmente ele a afastou, abaixou os olhos, virou-se e continuou a caminhar. Olhou-a mais uma vez sobre seus ombros e ela permanecia parada onde a deixara, parecia ainda mais frágil, ali, sozinha. Repentinamente foi tomado pelo medo, aquela seria a ultima vez que veria aquela imagem, nunca mais teria noticias, e se algo ruim acontecesse, sentiria-se culpado, afinal, fora ele quem permitira que ela o seguisse.

Prendeu a respiração por um segundo, virou-se e acenou com a mão, chamando-a!

- Tens um plano?
- Não!
- Queres vir comigo?
- Achei que jamais perguntaria!

Ele retomou a caminhada, ela o seguia de perto, precisava usar o dobro da velocidade para acompanhá-lo...

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O escritor

Sentou-se frente ao seu computador, repousou suavemente as mãos sobre o teclado, enquanto aguardava a inicialização do sistema. Era a primeira vez que escrevia algo novo, em anos, mas as idéias fervilhavam em sua cabeça, histórias e mais histórias, conseguia inclusive ouvir seus personagens dialogando, conversa eram uma mais interessante que outra, e passava horas prestando atenção a elas!
Há tempos ele não os ouvia, estava ocupado demais para escutar, porém, dessa vez, era impossível manter-se apático a tamanha gritaria!
Decidiu deixar que seus companheiros de dias silenciosos, lhe contassem tudo pelo que tinham passado nesses ultimo tempos.
O resultado, era que ele passava mais tempo calado, introspectivo, dando total atenção àqueles que, todos em sua infância, chamavam de amigos imaginários.Um som chamou sua atenção para o computador, o sistema havia enfim iniciado! Delicadamente tocou um pequeno painel e deu inicio ao programa que lhe permitia transcrever as suas histórias.
Lembrou-se, de um tempo, o qual, nada daquilo era acessível a ele, nem mesmo tinha maquina de escrever, todas as suas idéias eram transcritas com papel e lápis! Quantas vezes perdeu uma boa história por não possuir uma caneta naquele minuto, afinal os momentos passam até mesmo quando acontecem apenas na cabeça de alguém, era o mesmo que se lembrar de uma cena vista no decorrer da vida, sempre perde-se algum detalhe!
Lembrou-se também de todas as histórias que escreveu em espaços vazios de jornais, versos de panfletos, e até mesmo papel de pão!Era até divertido ficar virando e revirando o papel para entender o sentido do texto.
Até que alguém sugeriu um gravador, mas não deu muito certo, pois o som de sua voz calava as vozes que conversavam em sua cabeça. Decidiu comprar um bloco de anotações, assim ficaria mais fácil, podia ouvir e escrever suas histórias em qualquer lugar, a qualquer momento!
E tudo corria bem, até que os sons externos ficaram mais altos que os internos, e ele passou a ter muita dificuldade para ouvi-los, precisava redobrar a atenção e mesmo assim, perdia muita coisa...
A medida que os sons diminuam, parou de tentar ouvi-los. Então percebeu que já não existiam! Só não sabia se tinham parado de falar, ou ele não os escutava mais...
As vezes ficava em silencio quase que absoluto, na esperança de ouvir um sussurro...era em vão.
E ele finalmente se deu por vencido, desistiu!

- Já que não querem falar, também não quero mais ouvir! - pensou revoltado!

Assim seguiu sozinho, por anos... até esse dia...
Dia em que ouviu um pequeno assovio, barulho de passos, um comprimento, ele parou tudo o que fazia para ouvir! Não sabia o que tinha feito, mas eles haviam voltado, estavam lá, e não paravam de falar, tinham muito, muito a contar ao seu velho amigo, que agora os ouvia atentamente!


Copyright © 2011 Vilma Tavarez All Rights Reserved.