terça-feira, 30 de agosto de 2011

Bel

Não era necessariamente bonita, mas havia algo nela que simplesmente me encantava.
Talvez fossem os pequenos olhos castanhos, que à luz do sol ficavam esverdeados, e se fechavam quando ela sorria.
Ou seu sorriso largo, o qual ela morria de vergonha por ter os dentes um pouco separados, mas que eu achava lindo!
Podia ser o jeito com franzia a testa e inclinava a cabeça para a direita, toda vez que eu tentava lhe explicar algo.
Talvez fosse um apanhado de todas as suas coisinhas, jeitos e manias que a tornavam especial!
Certamente um ser desatento não percebesse, porque se você não a olhasse da forma certa, ela realmente não chamaria atenção, seria mais uma na multidão, mas se tivesse vontade ao menos de perder uns minutos do seu dia ouvindo-a, perceberia que se tratava de uma em um milhão.
Quando a vi pela primeira vez sabia que ela era diferente, só não sabia se isso era uma qualidade ou um defeito.
Tinha longos cabelos castanhos e estava sentada em um banco no pátio do Campus, tinha as pernas cruzadas e os cotovelos apoiados nos joelhos e parecia muito concentrada em sua leitura, o titulo do livro me chamou atenção, mas o tipo de garoto que eu era, me impedia de sequer me aproximar!
Para minha surpresa, quando cheguei à minha sala, lá estava ela, sentada num canto, completamente deslocada, percebi quando ela me olhou, enquanto eu adentrava a sala, o que sempre acontecia, era normal atrair os olhares das garotas.
Sentei-me na fileira ao lado, propositalmente, sabia que ali, conseguiria uma maneira casual de me aproximar, mal o professor entrou na sala, anunciou que sempre trabalharíamos em pares, que ele os formaria, o destino tratou de nos unir!
Nunca admiti isso, mas vibrei, quando ele chamou meu nome e o dela, mandando-nos para o laboratório.

- Carlos! - estendi a mão me apresentando.
- Bel! - sorriu timidamente apertando minha mão
- Gosta de Iron? - disse apontando a camiseta que ela estava usando.

Ela me olhou séria, abaixou a sobrancelha direita e esboçou um sorriso de canto de boa, balançando a cabeça positivamente.

- É claro que gosta, afinal, quem usaria uma camisa de uma banda que não gosta! - tentei amenizar minha burrice, mostrando um certo senso de humor.

Ela riu, era o riso mais bobo e desengonçado que havia ouvido em toda a minha vida, mas adorei.
Ao fim do período antes que saíssemos da sala ela disse:

-Quer tomar um chá comigo?
- Porque não fazemos assim, te acompanho até a lanchonete, você bebe um chá e eu uma coca-cola?
- Pode ser assim também! - riu mais uma vez.

Saímos da sala conversando animadamente, quando percebi que meu grupo de amigos "a tropa de elite", me olhando torto, vi que minha proximidade com Bel não seria vista com bons olhos.

- Grande Kzão! - disse um deles- Bora lá pro B7?

Não podia dizer a ele que não, que trocaria uma farra no B7, por uma chá com uma garota estranha, acabaria com a minha reputação.

- Opa! Bora lá!

Bel me olhou com indignação.

- Nos vemos na próxima aula - disse, sem mesmo olha-la

Quando nos afastamos, um dos caras em tom de deboche perguntou:

- Ae Kzão, hoje era dia de fazer caridade? Ia pegar a Ball?
- Que isso, bro, tu não viu que foi o Bortõ que juntou a gente? Ela é igual a qualquer cara!
- Bigode e barba ela tem! - Todos riram, inclusive eu!

Decidi então, que a evitaria, quando a "tropa", estivesse perto, mas faria tudo para estar com ela na ausência deles!
Notei que Bel sempre chegava ao Campus quase duas horas antes da aula e, ficava sempre no mesmo lugar lendo seu livro, passei a achegar um pouco depois dela, ficava sentado no banco ao lado, ela me ignorou por cerca de uma semana, acho que ficou magoada com o episódio do chá.
Depois de algum tempo, ela permitiu minha aproximação.
Tínhamos longas conversas, falávamos sobre tudo e a visão que ela tinha do mundo me fascinava!
Era bem humorada, inteligente, divertida, amiga! Eu podia passar dias seguidos conversando e não me cansaria, ela me entendia e muitas vezes aconselhava.
Com ela me sentia a vontade, era a única mulher no mundo que fazia com que eu me sentisse assim, as outras me deixavam deslocado, como um alienígena.
Bel me deixava em "casa", podia revelar a ela qualquer segredo, do mais simples a mais bizarra fantasia, ela sempre entendia e me apoiava.
Era diferente, não se preocupava com beleza, aparência, sei que não estava comigo por status, afinal, ninguém nos via juntos fora da sala, eu não permitia! Mas ela realmente gostava de mim, olha que precisava gostar muito pra rir da minhas piadas.
As vezes falávamos sobre futuro, e eu sempre me colocava casado com uma loira gostosa, chefe (de qualquer coisa) e com uma linda filha, que trataria como princesa!
Bel nunca se imaginava casada, dizia que alguns nascem para isso, como eu , outros não, como ela!Queria ter um filho, disso não abria mão. Um menino, que usaria all star, camisa do Nirvana e flanela.

- Mantenha seu filho delinquente longe da minha princesa!
- Ah tá! É sua filha patricinha que vai ter que ficar longe do meu rockstar! Meu filho vai ter bom gosto, não vai querer mulheres fúteis como a maioria dos homens, vai ser capaz de ver além das aparências, vai enxergar com os olhos do coração, e jamais vai ligar para a opinião dos outros!

Essas eram as caracteristicas que ela buscava em um homem para amar, pena que o otário que eu era naquela época, jamais seria esse homem!

- Ei espera ai! Eu não sou fútil, não me importo com aparências ou com opiniões dos outros!



- Você ainda vai perder o amor da sua vida por conta da opinião dos seus amigos!

Aquilo soou-me como uma profecia!
Os dias se passavam e cada vez mais nos aproximávamos, eu tinha necessidade de estar com ela, de vê-la morder o canudo quando acabava o refrigerante, ou como ficava bonita ao por do sol, que sempre víamos juntos!
Infelizmente a "tropa" percebeu que eu, o grande Kzão, não era mais o mesmo, não tinha mais vontade de "caçar", a companhia que eu queria, a minha namorada, já estava comigo, eu só não tinha coragem de assumir!
mesmo apaixonado por Bel, eu ainda pertencia a "tropa", afinal eram meus amigos desde o primário, mas passei a fazer mais coisas com ela!
E foi numa dessas coisas...

- Sabia que daqui da pra ver o por do sol mais lindo do mundo! - olhava encantada para o horizonte.
- Concordo! - me aproximei.

Ela sorriu como se pedisse um beijo e eu a beijei...
Porém, o que não esperávamos era ouvir a gargalhada que ouvimos depois.

- Kzão! O grande Kzão! fazendo caridade agora! Nós te admiramos, você é o "valente!

Por impulso me levantei e imediatamente me afastei dela.

- Que foi Kzão, não vai dizer pra gente que você tá afim da Ball?

Ela abaixou a cabeça, mas vi seus olhos marejados.

- Então, Sir Valente, qual é? Você ta afim da Ball, ou é só caridade?

Infelizmente fui um cretino, minha reputação era mais importante que os meus sentimentos.

- Pô! Tá me estranhado? Hoje é a terceira sexta feira do mês, dia da caridade!

Afastei-me dela, caminhando na direção dos caras, ela em olhou por uma fração de segundo e jamais vou esquecer aquele olhar!

Ela nunca mais voltou para a aula, fiquei sabendo dias depois que se transferiu.

Eu segui minha vida, conheci uma garota muito bonita, mas com quem jamais me senti a vontade, nos casamos e não me orgulho de dizer que nunca senti por ela o que senti por Bel, mas ela é divinamente linda, temos um filho, que faço tudo para que não seja o idiota que fui!
Certa vez no mercado, vi uma bela mulher com sua, filha, uma linda garotinha, de vestido cor de rosa e tiara nos cabelos tive a impressão de conhecê-la, eu estava com meu filho, ele trajava uma camiseta de minha banda favorita, jeans e all star.
A garota se afastou da mãe e meu filho de mim, quando dei por conta, estavam juntos, brincando, a mãe também se aproximou.
Ela me olhou e sorriu, faziam anos que não via aquele sorriso, mas jamais o esqueceria...

- Bel, vamos! - disse um sujeito alto abraçando-a
- Filha da tchau pro amiguinho, precisamos ir!

A menina deu tchau para meu filho e correu para junto dos pais.

Ficamos meu garoto e eu, observando, enquanto elas iam embora.

Ela tinha razão, nosso filhos jamais seriam amigo...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Pôr do sol

Sentado no sofá, ele observa apreensivo cada cada movimento dela, ela que é a verdadeira luz do sol, de uma alegria infinita, ela era o arco-iris que coloria a vida, ela que era de um tempo onde as pessoas era felizes, desprendidas, de um tempo onde a palavra de ordem era "vida"
Ele o total oposto, a figura sem cor, sem brilho, sem graça! ele era daqueles que tinham um vazio maior do que podia preencher, tinha angustias e medos que jamais compreendeu, quem dirá resolver!
Ele era de um tempo em que as pessoas eram tristes e confusas, de um tempo onde a palavra de ordem era "morte".
Ele sentia dentro de sua alma esburacada que o inevitável estava prestes a acontecer, ela estava distante, já não respondia da mesma forma ao seu amor, e quando insistia, ela era evasiva, mudava de assunto, ou simplesmente o deixava sem resposta.
Só não entendia qual era exatamente o motivo que a manteve ao seu lado por todo esse tempo.
Talvez ela pensasse que ele não suportaria, que cumprisse com a sentença de todos os garotos de sua geração, talvez ela apenas sentisse pena,talvez ela ainda tivesse algum afeto...
Mas aquele dia tudo começara diferente, ela levantou-se em silencio e permaneceu assim por muitas horas, sempre com o olhar perdido, sempre evitando sua companhia! Mesmo quando estavam juntos havia um abismo de silencio entre eles e por mais que ele estivesse ali, tão perto que podia se agarrar a ela, sentia que estavam a quilômetros de distancia um do outro, de alguma forma ela não estava mais ali!
E quem poderia culpa-la?
Ele mesmo não suportaria a convivência consigo, quem dirá outro ser!
Depois de inúmeras recaídas, medos e inseguranças ele havia conseguido colocar em pratica seu maior temor, sentia ela escapar por entre os seus dedos, e se sentia incapaz de segura-la, talvez por achar que ela ficaria muito melhor sem ele...
Mas sabia que perderia tudo naquela noite...
Ao entrar no quarto, observou tudo arrumado ao modo dela, bilhetinhos pendurados no espelho, fotos em velho mural, livros, cartas, discos, fitas, cd's, dvd's, revistas, pelucias, brincos, colares, aneis, batom, perfume, o quarto inteiro era ela!
Virando para deixar o cômodo notou uma mochila surrada no canto da porta, lembrou que tudo o que ela trouxe cabia ali dentro, sentiu como se seus órgãos vitais congelassem nesse instante!
Respirou fundo, caminhou pra sacada, ainda podia ver o por do sol e na pior das hipóteses, se tivesse tamanha coragem para um ato de covardia, pularia de lá!
Observou o por do sol de uma beleza unica, viu o céu mudar de cor, viu a primeira estrela apontar na imensidão, quando sentiu um toque em seu ombro, hesitou em virar, mas não podia mais evitar o confronto!
Ela parecia menor naquele momento!
Sorriu docemente:
- Você já sabe, né?
- Sim, sei!
- Sempre soubemos que isso aconteceria um dia!
- Sim...
- Ninguém teve culpa, tá?
- Eu sei...
- Você vai ficar bem?
- Sim...
- Você sabe onde me encontra?
- Eu sei...
- Se precisar de algo, ainda somos amigos!
- Sim, eu sei!
Ela tocou-lhe o rosto, que ele deu um jeito sutil de afastar da mão dela, ela suspirou, sorriu mais uma vez, mas dessa vez amargamente, virou-se pegou a mochila com seus pertences, acenou pra ele e saiu...
O som da porta batendo foi o gatilho pra explosão de um grito, preso por muito tempo, um urro seguido de um mar de lágrimas, suas pernas não tiveram forças para sustentá-lo, ele desabou.
Urrava como um animal ferido, tamanha a dor que sentia, arrancaram-lhe sua vida, essa não era uma ferida que cicatrizaria facilmente, na verdade, essa era uma ferida que jamais cicatrizaria!
Nunca se perdoaria por deixá-la partir, por ter ela nas mãos e deixar escorregar, queria agora poder dizer tudo o quer sentia de verdade, mas que um imenso nó na garganta o impedia.
Mas ela já não poderia ouvi-lo!
Apenas sussurrou para si mesmo.
- Você prometeu que era pra sempre...