quinta-feira, 10 de maio de 2012

O Bêbado

- Mais uma!
- Já não basta por hoje? Assim mal conseguirá encontrar o caminho de volta pra casa!
Riu amargamente, entornou o copo de cachaça, olhou o homem que estava em sua frente com um guardanapo de pano e uma garrafa de bebida.
- O que te faz pensar que eu tenho uma?
O homem respirou fundo, aguentara bêbados o dia todo, tudo o que não queria era outra história entediante, bem no fim do expediente.
- Porque todos temos senhor, seja perto, longe, feia, bonita, cheia ou vazia, mas todos tem uma casa.
-Tem razão! -  disse de forma enrolada - Casa é só uma casca, um abrigo da chuva, lar é o que eu não tenho!
O homem revirou os olhos enquanto enchia o copo do bêbado.
-Lar e casa, são exatamente a mesma coisa, senhor!
- Não! - afirmou duramente com um soco na mesa - Lar, é onde alguém te espera, lar é onde existe alguém que te ama, lar é onde você se sente seguro, lar é onde você guarda seu coração! - bebeu de um só gole - O lar é a alma da casa, uma construção de alvenaria, é só uma construção de alvenaria se ninguém fizer dela um lar.
Eu tive um lar, mas não sabia disso, não!
Mas eu era um moleque, e o que um moleque sabe da vida, queria saber de farra, de prostitutas, bebidas, noitadas, orgias, nada que me prendesse parecia bom.
Nunca entendi as pessoas se prenderem por opção, e amigos casados, eram amigos mortos!
Perdi a conta de quantas mulheres tive na minha cama, ou em camas de motéis espalhados pela cidade, e companheiros de copo, amigos de farra, milhares, fui entre os populares, o mais popular, o mais desejado, isso sobe a cabeça, sabe? Você meio que se sente Deus, onipotente. Fiz coisas das quais não me orgulho nem um pouco, e outras que apesar do buraco onde me encontro, meu ego ainda faz com que eu me orgulhe de tais feitos.
Um dia conheci alguém, ela era linda e impossível de ser tocada, era casada, religiosa, um exemplo de mulher, forte, independente, responsável, tudo o que eu não era, não que eu acredite que os opostos se atraiam, na verdade, eu acredito que você só vai até alguém diferente de você por interesse, por querer tirar dessas pessoa exatamente aquilo que ela tem e você por si só, jamais terá!
No meu caso, porque a mulher mais gostosa do mundo pra mim, era aquela que eu ainda não tinha comido.- sorriu mais, mas dessa vez desdenhando do que ele mesmo disse- E assim comecei uma jornada sem volta. Eu a queria e nada nesse mundo me impediria de tê-la, a arrancaria das mãos do marido, seria para ela o homem perfeito, convenhamos, os homens se esquecem que mesmo casados eles precisam conquistar suas mulheres, porque se eles não fizerem, um outro fará, e eu fiz.
Cada dia uma surpresa, dinheiro não era problema, flores, chocolates, jóias, poesias...-nesse momento tinha o olhar perdido, como se conseguisse ver cada coisa a qual se referia- não pense que foi fácil, ela jogou muitos buquês de rosas no lixo e suas amigas amaram cada bombom caro que eu enviei, mas foi uma declaração de amor, que encontrei num velho de poesias que me deu o grande premio, ela já estava bastante inclinada, eu só dei o golpe de misericórdia, via a cada dia que se passava, um amor crescer nos olhos dela, e eu tinha pena dela, porque eu era um lixo, mas canalha que é canalha segue firme até o fim.
Fiz dela uma princesa, uma rainha, frases feitas, poesias copiadas, jantares romântico, danças e muito sussurro ao pé do ouvido, mas foram as três palavras mais valiosas do mundo que me dera o que eu queria, palavras que na minha boca, eram apenas palavras ao vento.
Mas ela se entregou, me deu o melhor de si, me amou, como nunca aconteceu em minha vida, eu podia sentir aquilo que eu julgava não existir, era forte, era... incrível - fez uma pausa, bebeu mais um gole- isso me assustou, não era o que eu queria, não podia, não prestava pra mim. Quando deixei-a aquela noite, eu estava decidido a deixá-la e ela havia decidido ficar comigo.
Eu sumi por quase um mês, fui viajar com três vadias, e mesmo assim não conseguia fechar meus olhos sem vê-la em minha mente, mas eu apagaria, qualquer centelha que tivesse se acendido em mim naquela noite.
Quando voltei, já era outro, bem... era o de sempre.
Ela correu pra mim, mas eu não a recebi, antes que ela dissesse qualquer coisa, coloquei um ponto final. Revelei a ela o monstro, meu verdadeiro eu.
Ela sorriu, o sorriso mais dolorido que já vi alguém dar, secou as lagrimas que rolavam pelo seu rosto, ajeitou os cabelos, deu-me as costas e se foi.
Senti naquele momento, algo em mim se partir, senti dor, mas nada comparado ao que eu sentiria um tempo depois.
Mais um ano se passou, sem que eu tivesse noticias ela, largou o emprego, mudou de cidade, desapareceu por completo da minha vista, até que um dia, passando pela mesa de uma das secretárias, vi a foto de um bebê na tela do computador, sorri e perguntei que era o pequeno.

-Ah, doutor, é o filho Val.
-Da Val? - Perguntei indignado-  Não sabia que ela tinha um filho!
-Mas não tinha, ele ta fazendo seis meses agora.

Fui tomado por um pânico, olhei a foto, e me vi, meus olhos, meu sorriso, corri pra minha sala e comecei a fazer contas e dava exatamente, o garoto era meu!

Uma estranha alegria tomou conta de mim, eu tinha um filho, e um filho com a mulher que me fez sentir completo na vida, um fruto de amor, amor de verdade, eu precisava encontrá-los.

Consegui o novo endereço, uma cidade no interior, mal pensei, peguei o carro e dirigi sem parar até chegar no portão da casa dela, onde deveria e seria meu lar, onde minha família, a única coisa que eu sentia amor, me esperava.
Ela me recebeu com muita serenidade, convidou-me pra entrar, cheia de formalidades, entendi, considerando tudo o que aconteceu, mas eu tinha a certeza de que ao fim da conversa, ela estaria em meus braços.
Calmamente ela me explicou que na noite em que veio me encontrar, já sabia da gravidez, e que havia se separado do marido, mas eu nem quis ouvi-la, simplesmente a destruí com cada palavra que proferi, devastada, ela foi para o  porto seguro que lhe restava, o ex marido, esse deu-lhe o ombro, a mão, o amor, cuidado e carinho que precisava, disse-lhe que criaria a criança como se fosse dele, a única condição seria que ela nunca mais me encontrasse, nem mesmo que do outro lado da rua, ela aceitou, e por isso se mudaram, ela me contava tudo isso, não por me amar, ou por qualquer coisa assim, pois do que ela sentia, nada sobrou, nenhum sentimento, nem mesmo rancor.
Ela me mostrou uma fotografia de seu marido com o filho, um homem moreno de cabelos encaracolados, segurando um bebê loiro de olhos azuis, idênticos aos meus. Disse apenas que tentaria me esconder dele, o quanto pudesse, mas que um dia ele entenderia a diferença, e talvez queira saber quem sou, pediu-me, um favor, que ao menos para ele, eu mentisse, que fosse o homem que conquistou o seu amor, não o monstro que na realidade eu era, tendo dito isso, pediu que eu me retirasse, e que não aparecesse nunca mais, eu não era bem vindo!
Nunca senti uma dor assim, talvez nem se tivessem arrancado meus membros a dor seria igual!

Fez uma pausa brusca, olhou em volta procurando o garçom com que falava, avistou um homem limpando o balcão.

-Filho, onde está o homem com quem eu estava conversando?

O homem riu.

-Vixi, o senhor ta falando sozinho faz mais de meia hora, o expediente dele acabou e ele foi embora.

Levantou-se, tirou da carteira uns trocados, jogou na mesa, iniciou uma caminhada lenta até a porta.

-Não se fazem mais garçons como antigamente!

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