segunda-feira, 16 de maio de 2011

A fuga

Esperou que as luzes já estivessem apagadas há algum tempo, levantou-se silenciosamente, juntou o pouco que ainda lhe restara, lançou um ultimo olhar ao quarto compartilhado, todos dormiam tranquilos, assim só dariam falta dele pela manhã, isso se percebessem sua ausência.
Sempre fora uma criança calada e o crescimento só o tornou ainda mais introspectivo, sofrera muito e jamais permitiria que outra pessoa o machucasse, mesmo que para isso se isolasse por completo de todo o mundo!
Dirigiu-se até a porta dos fundos, tinha conseguido pegar a chave de um dos monitores, passaram meses de castigo por conta disso, até que a diretora acreditou que o monitor a havia perdido.
Girou a chave e ao colocar a mão sobre a maçaneta ouviu passos atrás dele. Respirou fundo, afinal, seus planos de fuga iam por agua abaixo. Antes que se virasse, ouviu uma voz familiar:

- Me leva contigo! - disse docemente.
- Não posso! Não sei para onde vou e você, seria somente uma preocupação a mais! - abriu a porta e antes que saísse ela insistiu.
- Leva-me contigo, não posso mais ficar aqui e sem ti, então, será impossível, leva-me contigo, sei que se aqui eu continuar, vou secar, vou morrer! Salva-se, por piedade, leva-me contigo!

Ele lançou um olhar pensativo ao horizonte, uma densa neblina encobria o céu, deixando a noite ainda mais sombria, fitou o chão, buscando dentro de si uma resposta, sabia que se a levasse não poderiam ficar juntos por muito tempo, pois seria muito difícil cuidar de si mesmo, quem dirá de outra pessoa e ele não queria, não podia ter essa responsabilidade, por outro lado, se a deixasse lá, o que poderia acontecer a ela. Sua expressão endureceu, sabia que eles destruiriam tudo de bom que existia dentro dela. Virou de repente, olhou-a, os olhos dela estava marejados, ele estendeu a mão!

- Venha, mas não faça nenhum barulho, sairemos daqui juntos, mas quando estivermos longe o suficiente, cada um segue seu caminho!

Ela acenou com a cabeça, concordando com o trato, segurou a mão dele e juntos deixaram o casarão!
Nem ao menos olharam para trás, deixaram ali tudo o que queriam esquecer, toda a dor, todo o medo, resultado de anos de reclusão!
Seguiram noite adentro, sem destino, acharam mais seguro caminhar margeando a avenida principal, precisavam apenas ter cuidado com os carros, mas assim conseguiriam estar bem longe até o amanhecer.
De tempos em tempos ele lançava um olhar sorrateiro por cima dos ombros afim de saber como ela estava e se ela ainda o acompanhava! Mas ela parecia decidida, caminhava com o dobro da velocidade para se manter próxima a ele, mesmo a noite fria e escura parecia impedir ela de alcançá-lo!
Depois de refletir um pouco ele parou subitamente, ela quase esbarrou nele, mas parou a tempo.

- O que houve, viste algo? - perguntou ela preocupada - Estas arrependido? Queres voltar? - Sua expressão mudou, ela passou a olhá-lo com pânico.
- Não precisa me olhar assim, não quero nada de você! - ele tirou o casaco que vestia e entregou a ela- Vista, está muito frio, coloque o capuz, é melhor que pensem que somos dois homens, não quero atrair problemas!

Ela corou por um instante, pegou o casaco e fez como ele havia ordenado!
Caminharam até o nascer do sol, quando chegaram até a entrada de outra cidadezinha, já não andavam mais com tanta empolgação, o sono já lhes fazia o corpo pesar.

- Bem, aqui estará em segurança, deixo-te então, preciso seguir meu caminho, e como já tinha te dito, Tu não poderá ir comigo, não sei se conseguirei me cuidar, quem dirá cuidar de ti, então, tenha um boa vida! - disse estendendo-lhe a mão.

Seus olhos encheram-se de lágrimas e um sorriso tímido apontou em seus lábios, ela se atirou em seus braços, encostou a cabeça em seu peito, parecia que queria fundir-se a ele, tamanha era a força do abraço.

- Obrigada, fizeste com que a minha estadia naquele inferno fosse menos dolorosa, foste sempre muito bom pra mim, e sei que mesmo em silencio, tu cuidavas de mim! Obrigada, sem ti ainda estaria lá! Agora posso sonhar com um amanhã e devo isso a ti!

Gentilmente ele a afastou, abaixou os olhos, virou-se e continuou a caminhar. Olhou-a mais uma vez sobre seus ombros e ela permanecia parada onde a deixara, parecia ainda mais frágil, ali, sozinha. Repentinamente foi tomado pelo medo, aquela seria a ultima vez que veria aquela imagem, nunca mais teria noticias, e se algo ruim acontecesse, sentiria-se culpado, afinal, fora ele quem permitira que ela o seguisse.

Prendeu a respiração por um segundo, virou-se e acenou com a mão, chamando-a!

- Tens um plano?
- Não!
- Queres vir comigo?
- Achei que jamais perguntaria!

Ele retomou a caminhada, ela o seguia de perto, precisava usar o dobro da velocidade para acompanhá-lo...

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