segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Um Dia

O taxi para, ela respira fundo e desce.Esta tomada por ansiedade e medo, sente calafrios, arrepios, taque cardia, sua cabeça pensa mil coisas por segundo...
Ele está do outro lado da rua, em frente ao local combinado.
Sorri pra ele, que retribui o sorriso.
Aproxima-se devagar, pra não demonstrar sua ansiedade, que é muita.
Para frente a ele, não sabe exatamente o que fazer, não sabe exatamente o que pode fazer.
Somos tão intimos, um faz parte do outro, sua alma a ela pertence, e mesmo assim, são completos estranhos.
Meio que sem jeito, abraçam-se, sente enfim, o calor que tanto almejou, sente o cheiro, a respiração tão próxima, a barba roçando em seu rosto...
Nesse instante qualquer sensação de estranheza, medo ou ansiedade se vão, permanecendo apenas a vontade enlouquecedora de unir seus lábios aos dele.
Por um instante desliga seu lado racional e deixa que somente suas emoções falem por si.
Beija os lábios dele, bem devagar, sentindo a sua maciez, enquanto as mãos dele a trazem para junto de seu corpo...
O beijo aumenta de intensidade, fica mais urgente, a necessidade que tem um do outro começa a ficar mais explicita, porém estão meio à uma das ruas mais movimentadas da cidade, e mesmo que as pessoas nem estejam prestando atenção,preferem ir com mais calma!
Ela estende-lhe a mão, caminham em silencio até o café.
Sentam-se, e ela o olha encantada, como uma criança que acabou de abrir o presente de natal. Queria vê-lo falar, ouvir o som da sua voz,  olhar dentro dos seus olhos, ver um sorriso brotar no seu rosto, queria vê-lo rir, gargalhar.
Necessitava prestar atenção ao máximo de detalhes, pra guardá-los em sua memória, como uma espécie de album de fotografias, ou um filme.

Como prometido, ele deu-lhe um dia de sua vida e ela precisava aproveitar, fazer valer a pena.
Tinha apenas um dia, para viver uma vida inteira!

Saem do café, muito mais intimos do que quando chegaram, agora permitem-se tocar um ao outro, trocar carícias e até mesmo beijos, vão em direção ao carro dele. Ainda não consegue acreditar que está ali tão perto, que finalmente ele está ao alcance de suas mão, e não apenas ao alcance de seus pensamentos.
Vão para o hotel, onde  passarão o dia.Tem o corpo em chamas, finalmente vão saciar o desejo que os consumia há tanto tempo.

No saguão confirmaram a reserva e receberam as chaves, um jovem os guiou até a porta do quarto, comportaram se bem até terem certeza de que estavam a sós.
Uma vez que a porta está trancada, é o instinto que manda!
Seus corpos pareciam magneticos, se atraiam de forma que nada nesse momento pode separá-los...
Amaram-se enlouquecidamente, realizamos suas fantasias, abusaram do momento juntos... Nada parece ser suficiente pra saciar o desejo que os consumia!

Até que exaustos, seus corpos ainda entrelaçados, extasiados de prazer, ela acaricia seu rosto, e beija-o docemente, olho-o no olhos e finalmente diz as palavras que estão engasgadas há tanto tempo!

- Eu te amo!

Ele a abraça carinhosamente, e ficam assim por um tempo!
Mas o dia chega ao seu fim...
E antes que sua carruagem vire a abóbora, ela despede-se de seu sonho!
Abraça- o forte, com vontade de não largar mais...
Ele a leva até o lado de fora do hotel, onde o taxi a espera!
Um ultimo beijo...
Um ultimo olhar...
Vão soltando devagar as suas mãos...
Uma lagrima rola pelo rosto dela...
Antes de entrar no taxi, diz mais uma vez que o ama!
O taxi segue, ela vira-se e vê que ele ainda está lá, olhando-a!
Ela acena, vira-se e afunda no banco, pode ver o olhar curioso da taxista pelo espelho retrovisor, mas isso nem lhe importa.
Fecha os olhos e e revive assim cada momento do dia, sorri satisfeita.

- Sim, valeu a pena!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Bel

Não era necessariamente bonita, mas havia algo nela que simplesmente me encantava.
Talvez fossem os pequenos olhos castanhos, que à luz do sol ficavam esverdeados, e se fechavam quando ela sorria.
Ou seu sorriso largo, o qual ela morria de vergonha por ter os dentes um pouco separados, mas que eu achava lindo!
Podia ser o jeito com franzia a testa e inclinava a cabeça para a direita, toda vez que eu tentava lhe explicar algo.
Talvez fosse um apanhado de todas as suas coisinhas, jeitos e manias que a tornavam especial!
Certamente um ser desatento não percebesse, porque se você não a olhasse da forma certa, ela realmente não chamaria atenção, seria mais uma na multidão, mas se tivesse vontade ao menos de perder uns minutos do seu dia ouvindo-a, perceberia que se tratava de uma em um milhão.
Quando a vi pela primeira vez sabia que ela era diferente, só não sabia se isso era uma qualidade ou um defeito.
Tinha longos cabelos castanhos e estava sentada em um banco no pátio do Campus, tinha as pernas cruzadas e os cotovelos apoiados nos joelhos e parecia muito concentrada em sua leitura, o titulo do livro me chamou atenção, mas o tipo de garoto que eu era, me impedia de sequer me aproximar!
Para minha surpresa, quando cheguei à minha sala, lá estava ela, sentada num canto, completamente deslocada, percebi quando ela me olhou, enquanto eu adentrava a sala, o que sempre acontecia, era normal atrair os olhares das garotas.
Sentei-me na fileira ao lado, propositalmente, sabia que ali, conseguiria uma maneira casual de me aproximar, mal o professor entrou na sala, anunciou que sempre trabalharíamos em pares, que ele os formaria, o destino tratou de nos unir!
Nunca admiti isso, mas vibrei, quando ele chamou meu nome e o dela, mandando-nos para o laboratório.

- Carlos! - estendi a mão me apresentando.
- Bel! - sorriu timidamente apertando minha mão
- Gosta de Iron? - disse apontando a camiseta que ela estava usando.

Ela me olhou séria, abaixou a sobrancelha direita e esboçou um sorriso de canto de boa, balançando a cabeça positivamente.

- É claro que gosta, afinal, quem usaria uma camisa de uma banda que não gosta! - tentei amenizar minha burrice, mostrando um certo senso de humor.

Ela riu, era o riso mais bobo e desengonçado que havia ouvido em toda a minha vida, mas adorei.
Ao fim do período antes que saíssemos da sala ela disse:

-Quer tomar um chá comigo?
- Porque não fazemos assim, te acompanho até a lanchonete, você bebe um chá e eu uma coca-cola?
- Pode ser assim também! - riu mais uma vez.

Saímos da sala conversando animadamente, quando percebi que meu grupo de amigos "a tropa de elite", me olhando torto, vi que minha proximidade com Bel não seria vista com bons olhos.

- Grande Kzão! - disse um deles- Bora lá pro B7?

Não podia dizer a ele que não, que trocaria uma farra no B7, por uma chá com uma garota estranha, acabaria com a minha reputação.

- Opa! Bora lá!

Bel me olhou com indignação.

- Nos vemos na próxima aula - disse, sem mesmo olha-la

Quando nos afastamos, um dos caras em tom de deboche perguntou:

- Ae Kzão, hoje era dia de fazer caridade? Ia pegar a Ball?
- Que isso, bro, tu não viu que foi o Bortõ que juntou a gente? Ela é igual a qualquer cara!
- Bigode e barba ela tem! - Todos riram, inclusive eu!

Decidi então, que a evitaria, quando a "tropa", estivesse perto, mas faria tudo para estar com ela na ausência deles!
Notei que Bel sempre chegava ao Campus quase duas horas antes da aula e, ficava sempre no mesmo lugar lendo seu livro, passei a achegar um pouco depois dela, ficava sentado no banco ao lado, ela me ignorou por cerca de uma semana, acho que ficou magoada com o episódio do chá.
Depois de algum tempo, ela permitiu minha aproximação.
Tínhamos longas conversas, falávamos sobre tudo e a visão que ela tinha do mundo me fascinava!
Era bem humorada, inteligente, divertida, amiga! Eu podia passar dias seguidos conversando e não me cansaria, ela me entendia e muitas vezes aconselhava.
Com ela me sentia a vontade, era a única mulher no mundo que fazia com que eu me sentisse assim, as outras me deixavam deslocado, como um alienígena.
Bel me deixava em "casa", podia revelar a ela qualquer segredo, do mais simples a mais bizarra fantasia, ela sempre entendia e me apoiava.
Era diferente, não se preocupava com beleza, aparência, sei que não estava comigo por status, afinal, ninguém nos via juntos fora da sala, eu não permitia! Mas ela realmente gostava de mim, olha que precisava gostar muito pra rir da minhas piadas.
As vezes falávamos sobre futuro, e eu sempre me colocava casado com uma loira gostosa, chefe (de qualquer coisa) e com uma linda filha, que trataria como princesa!
Bel nunca se imaginava casada, dizia que alguns nascem para isso, como eu , outros não, como ela!Queria ter um filho, disso não abria mão. Um menino, que usaria all star, camisa do Nirvana e flanela.

- Mantenha seu filho delinquente longe da minha princesa!
- Ah tá! É sua filha patricinha que vai ter que ficar longe do meu rockstar! Meu filho vai ter bom gosto, não vai querer mulheres fúteis como a maioria dos homens, vai ser capaz de ver além das aparências, vai enxergar com os olhos do coração, e jamais vai ligar para a opinião dos outros!

Essas eram as caracteristicas que ela buscava em um homem para amar, pena que o otário que eu era naquela época, jamais seria esse homem!

- Ei espera ai! Eu não sou fútil, não me importo com aparências ou com opiniões dos outros!



- Você ainda vai perder o amor da sua vida por conta da opinião dos seus amigos!

Aquilo soou-me como uma profecia!
Os dias se passavam e cada vez mais nos aproximávamos, eu tinha necessidade de estar com ela, de vê-la morder o canudo quando acabava o refrigerante, ou como ficava bonita ao por do sol, que sempre víamos juntos!
Infelizmente a "tropa" percebeu que eu, o grande Kzão, não era mais o mesmo, não tinha mais vontade de "caçar", a companhia que eu queria, a minha namorada, já estava comigo, eu só não tinha coragem de assumir!
mesmo apaixonado por Bel, eu ainda pertencia a "tropa", afinal eram meus amigos desde o primário, mas passei a fazer mais coisas com ela!
E foi numa dessas coisas...

- Sabia que daqui da pra ver o por do sol mais lindo do mundo! - olhava encantada para o horizonte.
- Concordo! - me aproximei.

Ela sorriu como se pedisse um beijo e eu a beijei...
Porém, o que não esperávamos era ouvir a gargalhada que ouvimos depois.

- Kzão! O grande Kzão! fazendo caridade agora! Nós te admiramos, você é o "valente!

Por impulso me levantei e imediatamente me afastei dela.

- Que foi Kzão, não vai dizer pra gente que você tá afim da Ball?

Ela abaixou a cabeça, mas vi seus olhos marejados.

- Então, Sir Valente, qual é? Você ta afim da Ball, ou é só caridade?

Infelizmente fui um cretino, minha reputação era mais importante que os meus sentimentos.

- Pô! Tá me estranhado? Hoje é a terceira sexta feira do mês, dia da caridade!

Afastei-me dela, caminhando na direção dos caras, ela em olhou por uma fração de segundo e jamais vou esquecer aquele olhar!

Ela nunca mais voltou para a aula, fiquei sabendo dias depois que se transferiu.

Eu segui minha vida, conheci uma garota muito bonita, mas com quem jamais me senti a vontade, nos casamos e não me orgulho de dizer que nunca senti por ela o que senti por Bel, mas ela é divinamente linda, temos um filho, que faço tudo para que não seja o idiota que fui!
Certa vez no mercado, vi uma bela mulher com sua, filha, uma linda garotinha, de vestido cor de rosa e tiara nos cabelos tive a impressão de conhecê-la, eu estava com meu filho, ele trajava uma camiseta de minha banda favorita, jeans e all star.
A garota se afastou da mãe e meu filho de mim, quando dei por conta, estavam juntos, brincando, a mãe também se aproximou.
Ela me olhou e sorriu, faziam anos que não via aquele sorriso, mas jamais o esqueceria...

- Bel, vamos! - disse um sujeito alto abraçando-a
- Filha da tchau pro amiguinho, precisamos ir!

A menina deu tchau para meu filho e correu para junto dos pais.

Ficamos meu garoto e eu, observando, enquanto elas iam embora.

Ela tinha razão, nosso filhos jamais seriam amigo...

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Pôr do sol

Sentado no sofá, ele observa apreensivo cada cada movimento dela, ela que é a verdadeira luz do sol, de uma alegria infinita, ela era o arco-iris que coloria a vida, ela que era de um tempo onde as pessoas era felizes, desprendidas, de um tempo onde a palavra de ordem era "vida"
Ele o total oposto, a figura sem cor, sem brilho, sem graça! ele era daqueles que tinham um vazio maior do que podia preencher, tinha angustias e medos que jamais compreendeu, quem dirá resolver!
Ele era de um tempo em que as pessoas eram tristes e confusas, de um tempo onde a palavra de ordem era "morte".
Ele sentia dentro de sua alma esburacada que o inevitável estava prestes a acontecer, ela estava distante, já não respondia da mesma forma ao seu amor, e quando insistia, ela era evasiva, mudava de assunto, ou simplesmente o deixava sem resposta.
Só não entendia qual era exatamente o motivo que a manteve ao seu lado por todo esse tempo.
Talvez ela pensasse que ele não suportaria, que cumprisse com a sentença de todos os garotos de sua geração, talvez ela apenas sentisse pena,talvez ela ainda tivesse algum afeto...
Mas aquele dia tudo começara diferente, ela levantou-se em silencio e permaneceu assim por muitas horas, sempre com o olhar perdido, sempre evitando sua companhia! Mesmo quando estavam juntos havia um abismo de silencio entre eles e por mais que ele estivesse ali, tão perto que podia se agarrar a ela, sentia que estavam a quilômetros de distancia um do outro, de alguma forma ela não estava mais ali!
E quem poderia culpa-la?
Ele mesmo não suportaria a convivência consigo, quem dirá outro ser!
Depois de inúmeras recaídas, medos e inseguranças ele havia conseguido colocar em pratica seu maior temor, sentia ela escapar por entre os seus dedos, e se sentia incapaz de segura-la, talvez por achar que ela ficaria muito melhor sem ele...
Mas sabia que perderia tudo naquela noite...
Ao entrar no quarto, observou tudo arrumado ao modo dela, bilhetinhos pendurados no espelho, fotos em velho mural, livros, cartas, discos, fitas, cd's, dvd's, revistas, pelucias, brincos, colares, aneis, batom, perfume, o quarto inteiro era ela!
Virando para deixar o cômodo notou uma mochila surrada no canto da porta, lembrou que tudo o que ela trouxe cabia ali dentro, sentiu como se seus órgãos vitais congelassem nesse instante!
Respirou fundo, caminhou pra sacada, ainda podia ver o por do sol e na pior das hipóteses, se tivesse tamanha coragem para um ato de covardia, pularia de lá!
Observou o por do sol de uma beleza unica, viu o céu mudar de cor, viu a primeira estrela apontar na imensidão, quando sentiu um toque em seu ombro, hesitou em virar, mas não podia mais evitar o confronto!
Ela parecia menor naquele momento!
Sorriu docemente:
- Você já sabe, né?
- Sim, sei!
- Sempre soubemos que isso aconteceria um dia!
- Sim...
- Ninguém teve culpa, tá?
- Eu sei...
- Você vai ficar bem?
- Sim...
- Você sabe onde me encontra?
- Eu sei...
- Se precisar de algo, ainda somos amigos!
- Sim, eu sei!
Ela tocou-lhe o rosto, que ele deu um jeito sutil de afastar da mão dela, ela suspirou, sorriu mais uma vez, mas dessa vez amargamente, virou-se pegou a mochila com seus pertences, acenou pra ele e saiu...
O som da porta batendo foi o gatilho pra explosão de um grito, preso por muito tempo, um urro seguido de um mar de lágrimas, suas pernas não tiveram forças para sustentá-lo, ele desabou.
Urrava como um animal ferido, tamanha a dor que sentia, arrancaram-lhe sua vida, essa não era uma ferida que cicatrizaria facilmente, na verdade, essa era uma ferida que jamais cicatrizaria!
Nunca se perdoaria por deixá-la partir, por ter ela nas mãos e deixar escorregar, queria agora poder dizer tudo o quer sentia de verdade, mas que um imenso nó na garganta o impedia.
Mas ela já não poderia ouvi-lo!
Apenas sussurrou para si mesmo.
- Você prometeu que era pra sempre...

sábado, 9 de julho de 2011

O Pacto

Uma vez me disseram:
- "Encontra-se o amor nos lugares mais inusitados!"
E eu por minha vez, sempre duvidei e até mesmo desdenhei de tal afirmação!
Afinal no mundo de hoje, amor, é uma espécie em extinção, isso se não for apenas uma lenda, um conto de da carochinha!!!
Amor, nada mais é, que uma coisa que na verdade, nunca ninguém sentiu, pois ninguém sabe explicar, ou definir, e sempre que tentam se divergem tanto que fica difícil de acreditar na veracidade de tal sentimento!
Você pode dizer: "Ah, é um sentimento! cada um o sente de maneira diferente!"
E eu até concordaria, se não fosse o simples fato de que ódio, tristeza, alegria, medo, contentamento, eles todos são sentimentos e todo que os sentem, os relatam com um centro padrão, então porque só o amor tem que ser diferente?
O amor na pratica, não serve pra nada!
Talvez, no fim do século XVIII, inicio do XIX, fosse uma arma letal!
Pensem em quantas mulheres morreram literalmente de "amor", após terem passado pelas mãos de Don Juan?
Existia um mal do século e ele se chamava "amor"!
Acho inclusive, que podemos definir amor como um suculento veneno!
Você o vê, você o quer, você o prova, você morre!
Logo para evitar mais finais desastrosos, alguém aprisionou o amor, e espero que o mantenham assim por muito tempo!

Ela sorriu satisfeita com o próprio artigo, recém publicado no jornal daquela manhã, ergueu sua caneca!

- Um brinde à clausura de Eros!

Deu um demorado gole em seu chá.
Quando abaixou a caneca, assustou-se com a estranha figura que acenava para ela, deixando a caneca tombar, derrubando o chá no jornal e a caneca no chão, fazendo-a em mil pedaços.

- Quem é você? Quem te deixou entrar? O que você está fazendo aqui?

O estranho sorriu docemente, olhando-a com ternura.

- Imaginei que precisaria responder algumas perguntas, mas não assim, ao mesmo tempo!
- Olha aqui, esse lugar é uma propriedade particular, hein, vou processá-lo por invasão - disse ela exaltada, apontando o dedo em direção ao nariz do sujeito, que mais uma vez sorriu ternamente, tocando de forma delicada e carinhosa sua mão, fazendo com que ela a abaixasse!
- Por que tanta agressividade? O que exatamente eu lhe fiz?
- Ei, sou eu quem faz as perguntas! Você invade minha casa, e ainda quer perguntar? Quem você pensa que é? Melhor! Quem diabos você é?
- Hmmm! Diabo? Não! Pense no contrário!
- Ah, agora vai dizer que é Deus? - disse ainda mais exaltada
- Deus? O que você entende por deus???
- Você sabe! Deus do céu, o todo poderoso!
- Não, isso não! Isso não existe! Olha, pra alguém tão cética, t^te achando crente demais - disse em tom de sarcasmo.

Ela deu uma gargalhada ainda mais revoltada

- Olha aqui, coisinha, ou você me fala o que ou quem é você, ou eu chamo a policia!
- Eros, ao seu dispor! - fez uma breve reverencia

ela fitou-o séria, por um segundo, mas não se conteve, explodindo em uma gargalhada, riu até seus olhos lacrimejarem, até perder o fôlego. O estranho apenas a observava pacientemente.

- Eros - riu - o deu do amor? Aquele anjinho fofo de fraldas, arco e flecha? O símbolo máximo da propaganda no dia dos namorados?
- Sim Eros! E foi atribuído a mim muito nomes e imagens com o passar do tempo, mas como qualquer deus, eu posso utilizar a imagens que quiser, hoje preferi uma que não te causasse muita estranheza, não posso aparecer pra você em meu esplendor e glória!
- Ta, você jura que acredita que é Eros? Eros, filho de Afrodite e Zeus?
- Filho de Afrodite sim, já a identidade de meu pai, ela sempre manteve em sigilo, acredito que por conta dos problemas que teve com o meu irmão Hermafrodito, mas isso nunca me fez falta não, amor paterno nunca me faltou lá no Olimpo!- diz pensativo
- Desculpa, isso é demais pra mim! - disse indignada - me aparece um louco aqui, que jura pra mim que é Eros e pior ainda, ta insinuando que o amor, nasceu de uma traição!
- Ei, foi você quem começou - em tom acusador - Diz que eu não existo, que se existisse, eu ficaria melhor preso, e ainda acusa minha mãe de incesto, quando afirma que Zeus é meu pai!

Por um instante ambos ficam em silencio, ele de cabeça baixa, visivelmente transtornado, ela, completamente indignada, e só estava calada por não lhe vir mais nada que pudesse cutucá-lo a mente!

- Tá, você é Eros, né? - diz zombando - Me prova então! Mostre-se em todo o seu esplendor e glória! - em tom desafiador.
- Não posso! Você sabe o que aconteceu com a ultima que pediu isso a um deus? Você sabe o que aconteceu com Sêmele? Não, não sabe, claro que não sabe! Ela virou pó! E meu tio, Zeus, coitado, teve que gerar meu primo Dioniso em sua coxa! - disse completamente exaltado.
- Mas ponha-se no meu lugar! Como posso acreditar em você? Como vou saber que você não é apenas um lunático, bitolado em mitologia grega, que veio aqui só pra tirar um sarro com a minha cara?

Ele levantou lentamente a cabeça, olhou-a nos olhos, sorriu, um sorriso singelo, levantou-se e disse:

- Podemos fazer um trato!
- Um trato? O que você quer? - disse afastando-se dele.
- Você nunca amou, posso sentir em você o vazio que só existe em uma pessoa que nunca experimentou de meu doce nectar... -antes que ele pudesse terminar ela o interrompeu.
- Não me venha com essa, não vou dormir com você, seu tarado!!!
- Quem disse isso? Acho que a lunática aqui é você!!!
- Olha aqui seu...seu...seu Eros, assim não vamos a lu...- ele a interrompeu também.
- Me ouça! Posso mostrar o amor a você! Você vai conhecê-lo, vai senti-lo, vai entender enfim, o que é o amor! Mas farei isso ao meu modo! Dizem que o amor é cego, sim é cego, porque amor nada tem a ver com imagem e sim com sentimento! Eu vou cegar você, antes que você se desespere, vou explicar, você terá sua visão, mas será incapaz de ver beleza em qualquer pessoa, todas serão iguais, você não saberá quem é quem, mas vou aguçar seus sentidos, você saberá quando realmente for amor!
- Tudo bem! Aceito! E como selamos nosso trato?
- Com saliva! - disse com um sorriso maroto...
- Ah eu sabia, você é um tar...- novamente a interrompeu!
- Você não tem mesmo senso de humor!

Ele estendeu a mão, ela a apertou!

- Está feito! - disse o homem desaparecendo em seguida.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Psicologo da praça

- Louco!
Sim, é o título que recebo, não, eu não me auto intitulo assim, na verdade acho que pessoas com a visão um tanto turva, assim me diagnosticaram...
Mas não estranho, afinal, sempre recebi denominações parecidas!
Algo do tipo, estranho, esquisito, diferente, excêntrico, anormal! Sempre fui apontado e olhado de rabo de olho, por outras pessoas na rua, talvez minha aparência não seja das melhores, é claro, não sou nenhum modelo de beleza, mas também não sou nenhuma aberração, só não me encaixo na sociedade padrão, as vezes, mas só as vezes, me olho no espelho e sou capaz de me achar menos feio do que dizem...
Também não tenho um jeito lá muito comum pra me vestir, já ouvi dizer que era démodê, e até mesmo anormal, acho isso um absurdo, super homem usa cueca por cima das calças e ainda assim, é um herói, e no final, sempre fica com a Louis Lane...
Também reconheço meus hábitos peculiares e minhas manias, mas afinal quem não as tem?
Agora sou julgado por tirar o gergelim do pão sanduíche? Ou as sementinhas prestas do morango? Poxa todos tiram as suas sementes, porque eu tenho que comer essas coisas com sementes?
Julgado por não gostar de atravessar a rua fora da faixa de pedestres? E não querer pisar na parte de asfalto e sim na pintada?
Julgado por misturar o shampoo e o condicionador na coqueteleira antes de tomar banho?
Me criticam por dormir pouco, mas sei que se dormisse muito me criticariam também!
Sim eu sei que dormir as quatro da manhã, quando a maioria das pessoas acordam as quatro, não é bom, mas fazer o que, sei que as sete vou estar de pé, se eu dormir mais cedo, o estrago será muito maior!
Mas meu maior problema, o que nunca vai se resolver, e o que faz com que eu seja diagnosticado louco, é não saber lidar com o ser humano!!!
Não entendo porque diabos, as pessoas nunca dizem o que realmente querem dizer!
Sempre acham que você é capaz de adivinhar e entender o que elas querem, e se vc não o faz ou interpreta errado, ficam furiosas com você!
Se te pedem pra ser sincero e você é, te chamam de grosso!
Se mente é mentiroso e é punido, mas se diz a verdade vira um monstro e também é punido!
Se você é altruísta tem milhões a sua volta, mas se em um momento de dor, você é egoísta, que seja por um minuto, todos te viram as costas, sendo ainda mais egoístas com você, que talvez só estivesse precisando de um abraço!
Já me perguntaram muitas vezes sobre amizade, e sempre respondo, não consigo entender esse tipo de relação, eu tenho um amigo, que te um amigo, que também tem um amigo, como posso confiar em alguém, sabendo que ele também confia em alguém, que confia em alguém....
Sobre amor então, acho a mais confusa das relações humanas, principalmente, porque somente os bons e bonitos são amados, e como geralmente não me encaixo em nenhuma dessas qualificações, fico excluído de tal grupo!
O que sei sobre o amor, é muito técnico, e talvez não consiga me expressar direito, como disse não compreendo, não entendo como uma pessoa é capaz de venerar e por que não dizer cultuar de maneira tão intensa, um outro ser, que de especial nada tem! Como pode entender as falhas e aceitá-las, e até mesmo se privar de coisas pra fazer outro feliz, como alguém pode entregar seu corpo e sua alma a outra pessoa, que certamente, além de fazer você trair os seu princípios, vai te machucar!
Ninguém nunca parou pra pensar que amar traz mais malefícios do que benefícios?
É definitivamente, isso aí não é pra mim!!!

- Senhor, chegamos!
- Muito obrigado, quanto lhe devo?
- São $32, senhor!
- Muito obrigado!

O taxista deu partida no velho carro amarelo, enquanto o homem alto e curvo caminhava em direção a um enorme prédio antigo, o dono do carro, pode ver ainda o rosto corado do homem ao cumprimentar uma jovem moça que passava na rua...

domingo, 5 de junho de 2011

O Vampiro

Tinha a mesa cheia de recortes e fotografias, conseguira bastante material, aquele dia tinha sido realmente produtivo.
Buscou uma fotografia embaixo de alguns papeis, ela sorria, perdeu as contas de quantas vezes imaginou que aquele sorriso era dado somente à ele.
Já havia encontrado padrão para alguns dias, mas isso não era o suficiente, não podia se aproximar, enquanto não mapeasse toda a sua rotina, precisava conhecer todos os seus hábitos e por que não dizer, que precisava pensar como ela!
Tirou os óculos esfregando os olhos cansados, tinha apenas algumas horas para dormir, o dia dela começava cedo.
Lembrou-se da primeira vez que a viu:
Era madrugada, ele acabara de sair do hotel onde deixara sua ultima presa, ela saia de uma casa noturna, seus olhos se cruzaram por uma fração de segundo.
naquele instante ele sentiu seu corpo em chamas:

- É ela!

Sim ela tinha que ser a próxima!
Pegou seu carro e deu a sorte de encontra-la por perto. Dai por diante apenas colocou em pratica o que sabia fazer muito bem!
Primeiro passo, verificar se ela possuía algumas familia próxima, e mais uma vez para sua sorte, ela vivia com alguns amigos de faculdade em um apartamento na Bela Vista.

- Sem regras, sem perigo!

Começou a segui-la na manhã de segunda feira, sua rotina matinal e vespertina, eram bem simples:
Tomava café em uma padaria próxima a faculdade, por volta das 7:30h e entrava para a aula as 8:00h, às segundas e quartas ela saia dos campus por volta de 10:30h tomava um mate e voltava as 10:45h, geralmente acompanhada de uma jovem de cabelos curtos. Nos demais dias, ela deixava o campus somente as 12:00h, para em um restaurante com um pequeno grupo de amigos, ficava lá até 12:20h, depois seguia sozinha a pé para um prédio na Praça da República, cada dia da semana escolhia um caminho, mas sempre eram os mesmos toda semana! saía do grande prédio espelhado em torno de 20:10h a aí começavam os problemas, ela nunca fazia a mesma coisa, dia voltava pra casa, outro ia pro bar, cinema, teatro, shopping, casa noturna, ou apenas ficava na praça com um grupo de pessoas, mas não existia um padrão!
Isso começava a ser enlouquecedor, quando achava que sabia tudo o que precisava, ela apresentava um novo elemento.
Chegou a passar um sábado inteiro numa gibiteca observando-a, anotando o título de cada revista que passava por sua mão, e um domingo fazendo um circuito verde, seguindo-a por quase todos os parques e praças de São Paulo!
Algumas vezes perguntou-se se ela realmente valeria a pena? Se o seu sabor seria melhor que o das outras e sempre terminava concluindo, que ela era a melhor! Isso o deixava ainda mais ansioso para a caçada!

Enfim dera a pesquisa por terminada, estava satisfeito com o que tinha e aquela seria a ultima noite e tocaia.
depois de muitas horas na danceteria, ela finalmente entrou no táxi, seguia-a de perto com seu carro, queria ter certeza de que seu destino final seria o pequeno apartamento na Bela Vista.

-Bingo!

Exatamente como fez as noites de sexta nas duas ultimas semanas.
Desceu do carro para melhor ver a janela do quanto dela, que agora estava acesa. Tirou do bolso interno da jaqueta uma carteira de cigarros, puxou um com as pontas dos dedos,levou-o aos lábios e o acendeu, tragou e soltou a fumaça lentamente, tinha os olhos fixos na janela iluminada, podia passar horas ali apenas observando cada sombra.
A luz se apagou imediato ao fim do cigarro, ele sorriu atirou bituca na rua, lançou um ultimo olhar ao quarto:

- Boa Noite, meu anjo, nos vemos amanhã!

Adentrou o carro e dirigiu até sua casa, que ficava a alguns quilômetros dali, parou o carro frente a portaria de um prédio antigo, acenou com a cabeça para o porteiro que retribuiu o gesto dando-lhe "boa noite"!
Parou o carro em sua vaga no estacionamento subsolo do prédio, um lugar escuro, sombrio, até mesmo fétido, caminhou sem pressa até o velho elevador, abriu a pesada porta de madeira, apertou o botão, sétimo andar!
Frente a porta do apartamento, tirou as chaves do bolso, colocou-a na fechadura enferrujada, girou a maçaneta, a porta abriu rangendo, ele riu...

- Mais um clichê de filme de terror, agora só falta o gato sair do armário miando!

Abriu a geladeira, pegou uma cerveja, depois de uma demorado gole, foi para a mesa onde passaria a noite, revendo cada detalhe, não poderia falhar, essa, como em todas as outras, a oportunidade era única, nunca tinha uma segunda, uma vez revelado, ele precisava ir até o fim!
Viu o sol nascer por entre os prédios, levantou, era hora de finalmente dar continuidade a seu trabalho!
Frente ao espelho, mais uma vez!
Passou os dedos pelos cabelos molhados jogando-os para traz, a barba por fazer, óculos, jeans desbotado e rasgado, jaqueta de couro e pra finalizar, o crucifixo no peito!
Não que acreditasse no símbolo, muito pelo contrario, aquilo não lhe dizia absolutamente nada, mas a peça ajudava a compor o visual e em um tempo onde uma imagens vale mais que mil palavras, qualquer detalhe faz a diferença...
Caminhou até o carro, desarmou o alarme, abriu a porta, sentou-se, respirou fundo, girou a chave no contato...

- Pronta ou não, aí vou eu!!!

(...continua...)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Missa de Segunda Feira

Casara-se muito jovem, apenas 17 anos, casa pra fugir do fanatismo religioso de sua mãe e dos maltratos de seu pai. Sonhava com sua casa, marido, filhos, uma doce e medíocre vida no subúrbio, nada de agitação, nada de surpresas, apenas uma vida tranqüila, longe de tudo que lhe fizera mal um dia.
Casou-se no cartório sem nenhuma pompa, nem ao menos uma festa para comemorar sua união, como se todos já soubessem que aquele dia deveria ser esquecido, tamanha dor ele causaria!
Voltaram para casa de transporte publico, pois lhes faltava dinheiro para algo mais confortável, chegaram na pequena casa de um cômodo, no fim da tarde.
Ele banhou-se, perfumou-se e se aprontou para sair, quando ela foi fazer o mesmo, recebeu uma tapa no rosto!

- Onde tu pensa que vai?

Aos prantos e completamente transtornada ela respondeu:

- Sair contigo, comemorar nosso casamento!

Ele gargalhou, balançou a cabeça com reprovação.

- Quem tu pensa que é? Alguma vadia? Tua vai ficar em casa! Quando voltar, quero minha janta feita e tu vai estar na cama pronta pra mim!

Ainda aos prantos, ela se levantou e começou a cozinha, como fora ordenado!
Muito se passou entre a hora em que ele saiu e a hora em que ele adentrou o casebre completamente bêbado e exaltado!

- Levanta sua puta! Você pensa que eu não sei de tudo, sua vadia!

Ela levantou-se da cama onde dormia, desesperada.

-Do que você está falando homem?
- Da sua festinha, sua vaca! Acha que eu não sei que a casa estava cheia de macho?
- Homem, você está louco? Estou sozinha desde que você saiu...- mal ela terminara sua frase, ele deu-lhe um tapa, de tamanha violência que a jogou no chão. Ela já chorava alto, quando ele segurou-lhe pelos cabelos e disse entre dentes.
- Tu vai te arrepender do que fez!
Ele bateu a porta e deixou-a sozinha, chorando, se perguntando o que afinal fizera, porque merecera tal tratamento!

A repetição dessa cena chegou a ser uma constante em sua vida, noite e noites regadas por amargas lágrimas de dor, tristeza, vergonha...
A vida com a qual ela tanto sonhara, tornara-se um pesadelo, um inferno dantesco, do qual, ela só podia lamentar...

Os anos se passavam e o consolo que lhe restara era a missa! Dia de missa era sagrado, apesar de não ser religioso, nunca impediu que ela fosse até a pequena capela, era o unico dia da semana em que ela saia sozinha, o trajeto era curto, mas era seu momento de liberdade, saia de casa as 18h, caminhava lentamente até a pequena capela, assistia 40 min de missa e retornava pra casa.
Apesar de curta a estadia na igreja, era revigorante, ela voltava, mais feliz, confiante, com uma nova vida e disposição!

Certa segunda, ela já havia saído para a capela, quando ele recebeu a visita de um casal de amigos.

- Entra pode entrar, Ivete foi à igreja, mas não tarda voltar!

O casal entreolhou-se, ficaram alguns minutos na residência, até que Ivete chegou, sorrindo, como não fazia há anos, completamente satisfeita!!!

- O que foi mulher? Tu viu passarinho verde, foi! - disse franzindo a testa
- Homem, há semanas, oro a Deus e peço que me permita engravidar, hoje ele me deu a confirmação, fiz um teste na igreja mesmo e deu positivo, estou grávida, homem, estou grávida!

Ele levantou-se de um pulo, correu até ela, pela primeira vez abraçou-a!

- Hoje é o dia mais feliz da minha vida!!!

Ele apressou-se a comprar um refrigerante e uma pizza pra comemorar um momento tão especial!
Comeram, riram, conversaram, quando o casal de amigos decidiu ir embora!
Despediram-se, deixaram pra trás um casal feliz, um marido orgulhoso e uma esposa realizada.

Longe da casa a mulher olhou intrigada para seu companheiro, como se esperasse dele um olhar cúmplice:

- Missa de segunda feira?
- Nem me pergunte, mulher, nem me pergunte!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A fuga

Esperou que as luzes já estivessem apagadas há algum tempo, levantou-se silenciosamente, juntou o pouco que ainda lhe restara, lançou um ultimo olhar ao quarto compartilhado, todos dormiam tranquilos, assim só dariam falta dele pela manhã, isso se percebessem sua ausência.
Sempre fora uma criança calada e o crescimento só o tornou ainda mais introspectivo, sofrera muito e jamais permitiria que outra pessoa o machucasse, mesmo que para isso se isolasse por completo de todo o mundo!
Dirigiu-se até a porta dos fundos, tinha conseguido pegar a chave de um dos monitores, passaram meses de castigo por conta disso, até que a diretora acreditou que o monitor a havia perdido.
Girou a chave e ao colocar a mão sobre a maçaneta ouviu passos atrás dele. Respirou fundo, afinal, seus planos de fuga iam por agua abaixo. Antes que se virasse, ouviu uma voz familiar:

- Me leva contigo! - disse docemente.
- Não posso! Não sei para onde vou e você, seria somente uma preocupação a mais! - abriu a porta e antes que saísse ela insistiu.
- Leva-me contigo, não posso mais ficar aqui e sem ti, então, será impossível, leva-me contigo, sei que se aqui eu continuar, vou secar, vou morrer! Salva-se, por piedade, leva-me contigo!

Ele lançou um olhar pensativo ao horizonte, uma densa neblina encobria o céu, deixando a noite ainda mais sombria, fitou o chão, buscando dentro de si uma resposta, sabia que se a levasse não poderiam ficar juntos por muito tempo, pois seria muito difícil cuidar de si mesmo, quem dirá de outra pessoa e ele não queria, não podia ter essa responsabilidade, por outro lado, se a deixasse lá, o que poderia acontecer a ela. Sua expressão endureceu, sabia que eles destruiriam tudo de bom que existia dentro dela. Virou de repente, olhou-a, os olhos dela estava marejados, ele estendeu a mão!

- Venha, mas não faça nenhum barulho, sairemos daqui juntos, mas quando estivermos longe o suficiente, cada um segue seu caminho!

Ela acenou com a cabeça, concordando com o trato, segurou a mão dele e juntos deixaram o casarão!
Nem ao menos olharam para trás, deixaram ali tudo o que queriam esquecer, toda a dor, todo o medo, resultado de anos de reclusão!
Seguiram noite adentro, sem destino, acharam mais seguro caminhar margeando a avenida principal, precisavam apenas ter cuidado com os carros, mas assim conseguiriam estar bem longe até o amanhecer.
De tempos em tempos ele lançava um olhar sorrateiro por cima dos ombros afim de saber como ela estava e se ela ainda o acompanhava! Mas ela parecia decidida, caminhava com o dobro da velocidade para se manter próxima a ele, mesmo a noite fria e escura parecia impedir ela de alcançá-lo!
Depois de refletir um pouco ele parou subitamente, ela quase esbarrou nele, mas parou a tempo.

- O que houve, viste algo? - perguntou ela preocupada - Estas arrependido? Queres voltar? - Sua expressão mudou, ela passou a olhá-lo com pânico.
- Não precisa me olhar assim, não quero nada de você! - ele tirou o casaco que vestia e entregou a ela- Vista, está muito frio, coloque o capuz, é melhor que pensem que somos dois homens, não quero atrair problemas!

Ela corou por um instante, pegou o casaco e fez como ele havia ordenado!
Caminharam até o nascer do sol, quando chegaram até a entrada de outra cidadezinha, já não andavam mais com tanta empolgação, o sono já lhes fazia o corpo pesar.

- Bem, aqui estará em segurança, deixo-te então, preciso seguir meu caminho, e como já tinha te dito, Tu não poderá ir comigo, não sei se conseguirei me cuidar, quem dirá cuidar de ti, então, tenha um boa vida! - disse estendendo-lhe a mão.

Seus olhos encheram-se de lágrimas e um sorriso tímido apontou em seus lábios, ela se atirou em seus braços, encostou a cabeça em seu peito, parecia que queria fundir-se a ele, tamanha era a força do abraço.

- Obrigada, fizeste com que a minha estadia naquele inferno fosse menos dolorosa, foste sempre muito bom pra mim, e sei que mesmo em silencio, tu cuidavas de mim! Obrigada, sem ti ainda estaria lá! Agora posso sonhar com um amanhã e devo isso a ti!

Gentilmente ele a afastou, abaixou os olhos, virou-se e continuou a caminhar. Olhou-a mais uma vez sobre seus ombros e ela permanecia parada onde a deixara, parecia ainda mais frágil, ali, sozinha. Repentinamente foi tomado pelo medo, aquela seria a ultima vez que veria aquela imagem, nunca mais teria noticias, e se algo ruim acontecesse, sentiria-se culpado, afinal, fora ele quem permitira que ela o seguisse.

Prendeu a respiração por um segundo, virou-se e acenou com a mão, chamando-a!

- Tens um plano?
- Não!
- Queres vir comigo?
- Achei que jamais perguntaria!

Ele retomou a caminhada, ela o seguia de perto, precisava usar o dobro da velocidade para acompanhá-lo...

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O escritor

Sentou-se frente ao seu computador, repousou suavemente as mãos sobre o teclado, enquanto aguardava a inicialização do sistema. Era a primeira vez que escrevia algo novo, em anos, mas as idéias fervilhavam em sua cabeça, histórias e mais histórias, conseguia inclusive ouvir seus personagens dialogando, conversa eram uma mais interessante que outra, e passava horas prestando atenção a elas!
Há tempos ele não os ouvia, estava ocupado demais para escutar, porém, dessa vez, era impossível manter-se apático a tamanha gritaria!
Decidiu deixar que seus companheiros de dias silenciosos, lhe contassem tudo pelo que tinham passado nesses ultimo tempos.
O resultado, era que ele passava mais tempo calado, introspectivo, dando total atenção àqueles que, todos em sua infância, chamavam de amigos imaginários.Um som chamou sua atenção para o computador, o sistema havia enfim iniciado! Delicadamente tocou um pequeno painel e deu inicio ao programa que lhe permitia transcrever as suas histórias.
Lembrou-se, de um tempo, o qual, nada daquilo era acessível a ele, nem mesmo tinha maquina de escrever, todas as suas idéias eram transcritas com papel e lápis! Quantas vezes perdeu uma boa história por não possuir uma caneta naquele minuto, afinal os momentos passam até mesmo quando acontecem apenas na cabeça de alguém, era o mesmo que se lembrar de uma cena vista no decorrer da vida, sempre perde-se algum detalhe!
Lembrou-se também de todas as histórias que escreveu em espaços vazios de jornais, versos de panfletos, e até mesmo papel de pão!Era até divertido ficar virando e revirando o papel para entender o sentido do texto.
Até que alguém sugeriu um gravador, mas não deu muito certo, pois o som de sua voz calava as vozes que conversavam em sua cabeça. Decidiu comprar um bloco de anotações, assim ficaria mais fácil, podia ouvir e escrever suas histórias em qualquer lugar, a qualquer momento!
E tudo corria bem, até que os sons externos ficaram mais altos que os internos, e ele passou a ter muita dificuldade para ouvi-los, precisava redobrar a atenção e mesmo assim, perdia muita coisa...
A medida que os sons diminuam, parou de tentar ouvi-los. Então percebeu que já não existiam! Só não sabia se tinham parado de falar, ou ele não os escutava mais...
As vezes ficava em silencio quase que absoluto, na esperança de ouvir um sussurro...era em vão.
E ele finalmente se deu por vencido, desistiu!

- Já que não querem falar, também não quero mais ouvir! - pensou revoltado!

Assim seguiu sozinho, por anos... até esse dia...
Dia em que ouviu um pequeno assovio, barulho de passos, um comprimento, ele parou tudo o que fazia para ouvir! Não sabia o que tinha feito, mas eles haviam voltado, estavam lá, e não paravam de falar, tinham muito, muito a contar ao seu velho amigo, que agora os ouvia atentamente!


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