sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Café

Quando era criança, meus pais me levavam para passar as férias no interior do Rio Grande do Sul, em nossa fazenda, não era muito grande, mas suficientemente bonita para encher os olhos.
Aos fins de semana era aberta para visitação, as pessoas vinham de longe para tomar conosco, o café da manhã. As vezes sou capaz de sentir o cheiro do orvalho misturado com café e boa de milho. Infelizmente o cheiro do café, sempre me fora muito melhor do que o seu sabor...

Quem gerenciava, era nossa governanta a sra Raphaella Romagnoli., uma italiana de grandes olhos azuis e cabelos tão loiros que chegavam a ser brancos. Não era propriamente bonita, na verdade, se questionarem meus irmãos ou mesmo os visitantes que recebíamos, eles dirão apenas quer se tratava de uma velha senhora, mas eu, eu a via... "com os olhos da alma", os românticos diriam, mas eu apenas a via de verdade.

Dedicava algum tempo observando-a, o modo como sorria quando oferecia café, ou como balançava levemente a cabeça quando soltava os cabelos o mesmo o jeito como me chamava para as refeições.

"Andiamo guri, teu café está a esfriar!" e acariciava meus cabelos...

Cresci vendo a Sra Romagnoli cuidando de tudo e passei, em determinada época a ajudá-la com os afazeres, no ano em que completei 14 anos, meu pai achou valido meu interesse pela fazenda, e permitiu que eu trabalhasse nela nos finais de semana e em minhas férias, o que me aproximou muito da sra Romagnoli.
Passávamos os dias trabalhando e as tardes, na varanda, observando o por do sol, ela sempre tinha nas mãos uma caneca de café, que gentilmente me oferecia, mesmo sabendo que eu iria negar, reclamando do gosto.
Observávamos todas as mudanças de tom, até que do purpura tornava-se tão escuro que não podíamos mais distinguir sua cor.
Nesses momentos falamos de tudo, presente, passado e futuro, falávamos de coisas da vida, e ela sempre tinha uma bos história e um conselho melhor ainda. Como o que me deu quando completei 16.

"Bah guri, é simples, tu tiras o bode da sala e segue com tua vida!"

Sorri, fingindo entender...porém hoje, não deixo que bodes invadam a minha sala com facilidade.

No verão em que fiz 18 anos, a sra Romagnoli fora acometida por uma pneumonia muito severa, o que a impossibilitou de cumprir com suas tarefas, inclusive com nossas tardes, ela estava quase sempre acamada e apesar de não ser assim tão idosa, parecia muito frágil naquele mo mento, eu passava todo o meu tempo livre com ela, mesmo debilitada, desde que tivesse café, ela tinha uma história.

Certa tarde, antes de vê-la, ouvi meu pai dizendo que precisavam contactar a família dela, acho que a minha ingenuidade me impediu de entender, ou talvez eu não quisesse, ignorei todo o resto e me perguntei apenas porque Raphaella abriria mão de ter uma família para estar ali.
Levei essa duvida a ela, que sorriu docemente, sentando-se na cama.

" Meu guri, as vezes a vida não quer, me casei com menos idade do que tens hoje, e fiquei viúva com a tua idade, nunca quis outro, ele era o único... tu me lembras ele...tanto que chega a doer!"

Levantei-me no impulso, depois de ouvir o que ela me disse, e com o coração aos pulos, segurei-lhe a mão, ajoelhando-me e sua frente.

"Se quiseres, podes te casar comigo, de repente sou ele, que a vida te mandou de volta."

Vi uma lagrima se alojar no canto de seu olho.

" Como podes ser assim guri, tão especial, senta-te aqui, do meu lado. Tu és tudo o que qualquer mulher do mundo sonha, sorte terá aquela a quem levares ao altar, e eu, estarei contigo, acredita, ta bem?"

Ela beijou-me a face, e eu senti suas lagrimas molhares meu rosto.

Aquela noite permaneci em seu quarto até o momento em que ela pegou no sono, e na manhã seguinte acordei pelo alvoroço, desci as escadas apressado, na sala, minha família estava reunida, minha mãe veio ao meu encontro e me abraçou sem dizer uma palavra, e eu entendi... Raphaella havia partido.

Mais de 30 anos se passaram desde então, e sempre que a saudade aperta, pego uma xícara de café e fico observando o por do sol.
Não, eu ainda não gosto de café, pra mim, ele é como a saudade que eu sinto dela, amargo, mas se tomado no momento certo, é como se fizesse bem pra alma...

segunda-feira, 10 de março de 2014

A Carta

Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2009

Perdoe-me se demorei tanto a lhe escrever, mas demorei consideravelmente a me recompor, sim, eu sei três anos pode parecer muito tempo, mas não dá para estimar um tempo de cura exato, para um coração partido.
Acredito que o que importa de verdade, é que aqui estou, disposto a escrever, e na melhor das hipóteses, receber de ti uma resposta, algo que nunca obtive.
Amanheci um dia sozinho, tendo por companhia uma carta, poucas linhas que tentavam explicar o porque do abandono...porque de estar quebrando todas as promessas que fizeste a mim, todas as juras de amor, sim, você nunca ousou chamá-lo eterno, claro que não, mas prometeu que estaria sempre perto, mesmo que apenas me observando.
Porém, fechaste os olhos primeiro, não quis ver a dor tamanha que me provocava, sei que não fui nem de longe o melhor, nem estive entre eles, só posso lhe garantir, que meu amor, era verdadeiro.
Talvez eu não estivesse pronto para ser amado, talvez eu desse mais valor ao amar, e fosse incapaz de ver o amor, talvez fosse por isso ,que tantas vezes, te cobrei por coisas que apenas existiram em minha cabeça.
Posso tê-la feito chorar, posso tê-la machucado, com palavras e atitudes, mas, eu não estava preparado para algo tão forte, tive medo, fui o mais humano que pude em nossa relação, não fingi, não menti, fui eu, e agora tenho a consciência de que eu, não era nada do que você precisava.
Você precisava de um homem ao seu lado, um homem forte, que conseguisse, segurá-la pelo braço e guiá-la, um companheiro, um amigo e eu fui apenas um peso, inseguro, medroso, muitas vezes eu até quis te mostrar tudo o que eu poderia ser, mas sempre tropeçava em meus próprios pés.
Não é fácil admitir um erro, de jeito nenhum, é bastante complicado saber que você pôs tudo a perder, que o fim iminente ocorreu por que você não soube conduzir a sua vida de forma satisfatória.
Senti muito quando rompeu todos os laços que nos uniam, sofri por não vê-la todos os dias, por não te ouvir, não receber seus recados na secretária...posso dizer que morri naquele momento, você partiu, e levou consigo a melhor parte de mim.
Na manhã seguinte, eu não me sentia vivo, tudo doía, meu corpo inteiro, como se eu tivesse sido esmagado, então percebi os sinais de que estava morto...nada mais me importava, eu respirava porque já era um habito, mas não sentia necessidade disso.
Sempre te disse que eu poderia viver sem ar, mas sem você, seria impossível, e naquela manhã, me vi obrigado a viver sem você, a seguir, dia após dia.
E a cada manhã tudo ia ficando mais difícil, a cada manhã, eu tinha mais motivos para deixar esse mundo, do que para ficar.

Sabe, eu conheci uma prostituta, sei que você deve estar com nojo de mim, mas eu a desejei tanto, que quase morri de verdade, ela, destruiu o pouco de bondade em mim que ainda restava...
Se você soubesse tudo o que fiz nesse ano, você certamente me odiaria, talvez você ficasse com um pouco de remorso...talvez você, por dó, voltasse pra mim...

Mas você não me viu, ou fingiu que não...eu te liguei, deixei mensagens aos prantos, não me orgulho disso, mas posso dizer que foi um estagio pelo qual eu precisava passar.
Eu dormi sentado em frente a sua casa uma porção de noites, observando seu vulto pela janela...
Vi quando ele entrou em sua vida, vi quando ele passou a ser tudo o que eu jamais poderia ser.

Mais um ano se passou, e eu cansei de ficar no chão, me levantei devagar, milimetro por milimetro, para alguns, foi até imperceptível, cada movimento que eu fazia para superar a sua ausência...
Parei de te procurar, de tentar ouvir seu nome, de te ver, parei de pensar em você, no começo foi difícil, mas eu me cerifiquei de que preencheria minha vida de tal forma que não sobrasse espaço pra você.

Hoje três anos depois que você me deixou, existe alguém que me fez ver o quanto eu errei, e foi esse reconhecimento, que me permitiu te escrever, que me permitiu entender tudo, você quis viver, talvez estivesse se sentindo como eu estava quando decidi me levantar, e deve ser muito pior quando é você quem parte, porque você sempre leva a culpa, sempre é visto como vilão, de um crime que nem cometeu.

Te peço perdão por ter feito isso a você, por ter sido incapaz de ver sua dor, sua tristeza, sua solidão, por ter te sufocado com o meu excesso de amor, com meu medo, meu ciume, me perdoe por tudo.

Espero que esteja feliz, eu estou!

Alberto

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Baile de máscaras

-Oi!

Disse ele, aproximando-se da moça, já a observara por bastante tempo e sabia que esse era o momento propicio para uma ligeira apresentação.

-Oi!

Retribuiu ela um tanto encabulada.

-Eu estava te observando, tem um tempo, mas não tava conseguindo chegar...
-Vai me dizer que é tímido?
-Ué, sou!
-Não foi o que eu tenho visto...
-Hmmm você também tava me olhando.
-O lugar não está cheio, da ver o que todo mundo faz, acho que não são muitos os que preferem uma folia mais reservada.
-Pelo contrario, acho até que somos muitos, mas também esse não é o único lugar pra se ir...
-E você? Vem sempre aqui?
-Sério? Essa pergunta? -começa a rir.
-Ué, qual o problema, é apenas uma curiosidade, não é uma cantada, apenas uma pergunta!
-Venho sempre que posso, não sou muito de multidões, quanto mais reservado o lugar, mais atrativo ele se torna para mim, um amigo me trouxe, há uns três anos, e daí por diante, passei a ser frequentador assíduo. E você? É a primeira vez?
- Na verdade não, é a mascara que me faz diferente, quer que eu tire pra ver se você me reconhece?
-Ah não, é carnaval, a parte legal disso é não saber quem está por trás da máscara e assim se soltar, poder ser quem você quer ser.
-E quem você quer ser?
-Exatamente quem estou sendo agora! Estou certo que se me visse na rua, nem sequer me reconheceria, nem mesmo se eu fosse falar com você!
-Nossa, do jeito que fala, me deixou até com medo, o que tem debaixo dessa máscara aí. - perguntou ressabiada.
-Alguém comum, alguém que certamente você não estaria observando, alguém que talvez ninguém observasse...
-Credo, que amargura!
-Viu, melhor estar de máscara e ser o que eu quero ser!
-Ta certo, então espero que divirta-se!
-Ei...você já vai?
-Sei lá, sou meio contra isso de ser outra pessoa só porque está com máscara, o problema sou eu, não você!
-Ah, sério? Você é mesmo a rainha dos clichês!
-Gente, pelo menos sou o que sou.
-E daí querer ser um pouco diferente as vezes, é crime?
-Não amigo, mas ninguém é obrigado a conviver com isso.
-Jesus, mas quem ta de obrigando a conviver, é só um conversa, não um pedido de casamento, você tem algo mais importante pra fazer, ou alguém melhor pra conversar, se tiver, ta beleza, vai, mas se não, porque não fica aqui comigo, não vou te arrancar um pedaço.
-Vou buscar algo pra beber, essa conversa me deu sede!
-Eu te espero.

Buscou um copo gelado de suco, bebeu quase que de uma só vez, talvez esperasse de um simples suco de uva o afeito que uma dose que Whisky provoca em seus consumidores, mas sabia que não obteria tal efeito, pensou algumas vezes antes de voltar.
Realmente aquela era apenas uma conversa, nada além disso, o que teria a perder com um pouco de companhia, pelo contrario, poderia dar umas boas risadas.

-Você voltou.
-E você me esperou mesmo, deve estar mesmo solitário.
-Na verdade não, estou aqui com você por opção, gostei de você.
-Gostou da garota chata que até agora só disse clichês e quis ficar longe de você?
-Você foi espontânea, foi natural, e é bom encontrar pessoas assim.
-Quem bom que você reconhece, que estar ao lado de alguém que não quer ser ele mesmo, não é algo lá muito agradável.
-Mas você voltou.
-É, eu voltei!
-Por que você voltou?
-Porque você foi sincero, sei que não devo acreditar em nada que você disser.
-Porque não estou sendo eu? Estou falando de comportamento, porque eu mentiria sobre as coisas, aqui eu posso rir, conversar, flertar, sem ser julgado, lá fora nem olhar para o lado eu posso sem que alguém julgue minhas ações.
-Isso é verdade, mas se você se importar sempre com o que vão dizer, você não vai viver, nunca!
-É uma sobrevida, mas é um preço, cada escolha, uma consequência, eu fiz as minhas, e hoje preciso de uma máscara para me divertir, ou ter ao menos uma conversa com uma garota legal.
-Obrigada pelo, "garota legal"
-Ah, você achou que eu tava falando de você?
-...
-Brincadeira, tava sim! Ei, eu preciso ir, adorei falar com você, mas tenho um compromisso, eu gostaria de te ver de novo, vai vir amanhã?
-Eu gostaria de te ver sem máscara...
-Eu não sei se isso é possível...ah quer saber, anota meu número, me liga e vemos isso!
-Sério?
-Sério!
-Agora preciso desconectar.
-Ta certo, te ligo!
-bjs
-bjs

Ela deu um sorriso bobo, largou o notebook e correu para o celular, queria ouvir a voz dele, queria saber um pouco mais sobre ele, mas ele de verdade, não um avatar.
Digitou o número, o coração ao pulos...
-Alô -disse com a voz fraca.

-Esse número de telefone não existe, por favor consultar o catalogo telefônico.


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

E além...

"Encontra-se amor, onde e quando menos se espera!"
Ouvi isso minha vida inteira, apesar de não concordar exatamente com essa afirmação, sonhava e sinceramente esperava que algo desse tipo acontecesse comigo, porém nada acontece como queremos, acontece como ter que acontecer, alguns diriam Maktub, outros chamariam de coincidência, eu, chamo de vida

Tinha apenas 15 anos quando descobri minha gravidez.
-  10 semanas! - disse o médico passando sobre minha barriga o gelado aparelho de ultrassom.
Imediatamente lagrimas correram por meu rosto, um misto de emoções tomaram conta de mim, não tinha idéia do que fazer.
Tinha tantos sonhos, tantos planos e agora precisaria desistir de tudo, por esse ser que crescia em meu ventre, afinal não tinha mais ninguém além dele.
Meu namorado havia me abandonado umas semana antes da descoberta, havia inclusive deixado o país, não resistiu a um convite do pai para estudar em Nova Iorque, sequer pensou, arrumou as malas e foi-se, não sabia nem como encontrá-lo e a minha mãe seria tão omissa com o neto como foi comigo.

Alguns dias passaram até que eu pudesse enfim organizar as minhas idéias e tomar algumas decisões importantes, e a mais importante delas talvez, seria que aconteça o que acontecer, teria meu filho, mas enquanto pudesse, daria sequencia a minha vida.

Tinha os sonho de ser pianista e naquele fim de semana iria a um workshop apenas para estudantes de música, tentou escondi a cara de choro por trás da maquiagem, juntei algumas partituras, livros e caderno de anotações e segui rumo ao meu compromisso, não que fosse me servir na nova vida que eu teria, mas precisava de um ponto de fuga.

O trajeto até o hotel não fora muito longo, logo estava em frente ao Holliday In, me dirigi até a entrada, onde um monitor me indicou o caminho até a sala de conferencias, para onde fui imediatamente.
Na entrada da sala, esbarrei com um rapaz, que voltou-se para mim sorrindo, o sorriso mais lindo que já vira em toda a minha vida, nossos olhos se encontraram e por um instante senti meu rosto ruborizar.
Afastando-se ele pediu desculpas, apenas sorri, e segui para o meu lugar, porém meus olhos não saíram do belo rapaz, e os dele, vez ou outra buscavam também por mim.
Tinha plena consciência de que não poderia seguir adiante com o flerte, mas naquele momento precisava daquilo.

Ao fim da palestra, ele caminhou apressadamente para fora, segui-o com os olhos, e quando o perdi, um estranho vazio tomou conta de mim. Organizei meu material calmamente, sendo uma das ultimas a abandonar o local, e para a minha surpresa, encostado em uma parede estava ele, a minha espera.

- Tu demorou tanto, que achei que não sairia mais. - sorriu novamente, vindo em minha direção.
- Estava evitando a multidão - sorri sem jeito.
- Hoje não tenho muito tempo, mas se tu não se importar, podíamos trocar telefones e, bem, marcarmos um suco, ou algo assim. - olhei-o completamente descrente, e de tão descrente, aceitei sem hesitar.
Não imaginava o que um rapaz como aquele, queria com uma menina como eu, certamente nada, e certamente nem iria ligar, mas aquele momento já me valia do dia, semana, mês...e do jeito que eu me sentia, talvez me valeria a vida.

Alguns dias se passaram e apesar de não tirar os olhos do meu celular, eu nem tive coragem de olhar para o número de telefone que ele me passara, tamanho era o medo de ser um número falso, e não pretendia ter nenhuma decepção naqueles dias, já que se aproximava o dia dos namorados e sabia que estaria mais sensível do que de costume, sozinha, gravida, deprimida.
Minha barriga já começava a aparecer, e conversando com uma professora do curso, consegui tocar em um banda, dessas que tocam em casamentos, não era muito rentável, mas já era alguma coisa. Iniciei também meu pré-natal, sabia que meu bebê crescia forte e saudável, o que me deixava mais tranquila. E apesar de pensar algumas vezes no rapaz, não voltei a vê-lo.

O dia dos namorados veio como o prometido, cheio de propagandas românticas, corações por todos os lados, flores, embrulhos e tudo mais que poderia deixar alguém na minha situação ainda mais deprimida. Me fechei em meu quarto, onde nada daquele dia cheio de amor pudesse me machucar, tinha minha cama, meu travesseiro e meu filho como companheiros, eles não se importariam de me ver chorar.
Já era era  fim da tarde quando vi as luzes de meu celular piscarem, peguei-o meio sem vontade, ao ver o número não notei nenhuma familiaridade, só mesmo percebi quem se tratava, quando ouvi sua voz.
- Feliz dia dos namorados! - gritava ele, empolgado. Imediatamente um sorriso brotou em meus rosto.
- Feliz dia dos namorados! - respondi com a voz meio exitante.
- O que aconteceu contigo que não me ligou?
- Sabe que eu poderia perguntar a mesma coisa a você? - ele riu.
- Tu não vai acreditar, mas viajei com meu pai e esqueci teu numero na minha mochila, mas não esqueci o celular, e tu? Por que não me ligou? - um silêncio constrangedor, mais uma vez ele riu - Certo, vamos deixar as coisas assim então. Mas tu tem que me prometer que irá me ligar. Amanhã tu me liga sem falta, e revezamos, tá?
Concordei, embora não soubesse exatamente como dar continuidade aquilo, com o passar dos dias, seria impossível esconder a gravidez, e todos sabem que ninguém deseja carregar uma bagagem que não lhe pertence, principalmente um jovem burguês.

Mesmo contrariando a minha razão, liguei para ele, e assim com fizemos todos os dias, durante meses, por mais difícil que fosse meu dia, sempre conseguia um tempo para ligar ou para receber uma ligação dele. Não conseguia mais ficar sem ouvi-lo, apenas o som da voz dele me trazia uma alegria imensa.

Logo minha barriga ficou enorme a data do parto aproxima-se, descobri em uma de minhas consultas que meu bebê, era um menino.
Melhor assim, meninos não sofrem, não passam por um terço do que as meninas passam...
Na mesma época, recebi uma bolsa de estudos para um conservatório musical, no sul do pais, sei que qualquer adolescente da minha idade e na minha situação, negaria, mas eu, eu queria fugir, desaparecer, e essa me soou como a oportunidade que me faltava.
Conversei com minha mãe, que aceitou usar parte da herança do meu pai para alugar uma casa e custear minha estada em outra cidade, enquanto durasse meus estudos.

Na noite em que me preparava para a mudança, recebi o costumeiro telefone do meu "amor platônico", onde feliz da vida, ele anunciava o inicio de um namoro. Mais uma vez, senti meu mundo desabar, não que eu não soubesse dessa possibilidade, mas eu não queria acreditar na veracidade dela. E como não tinha absolutamente nada a perder, em algumas horas nem mais na mesma cidade eu estaria, desabafei!

- Qual é o seu problema? -disse completamente indignada- Ainda bem que não fiz nenhuma bobagem, que não me dei ao trabalho de ir até você! Você é volúvel! Não sabe o que é gostar de alguém! Agora garoto, perde meu número, me esquece, porque é isso que eu vou fazer!

Ouvi uma risada, e senti meu sangue ferver, estava com tanta raiva que minha cabeça parecia que ia explodir. Como se ele pudesse ler meus pensamentos, se antecipou dizendo.
-Não desliga, eu ainda não terminei! - mesmo querendo desligar, tomada por um ódio sem fim, o meu sentimento falava mais alto, fiquei em silêncio, pois havia um nó na minha garganta me impedindo de falar. - Por que você não me disse isso antes? Quanto tempo faz que nos conhecemos e nos falamos todos os dias? Você nunca imaginou que eu te ligava por algum motivo? Nunca passou por sua cabeça que eu poderia estar apaixonado por você?
As lagrimas correram pelo meu rosto, respirei fundo e tudo que ouvi do outro lado foi a respiração dele.
-Eu não podia. -disse com a voz fraca.
-Por que não? Você sempre me disse que estava sozinha!
-Não exatamente.
-Existe alguém, outro cara né?
-Existe sim outro cara. - ouvi um suspiro do outro lado - Mas não é isso que você está pensando não, eu - parei subitamente, tomando coragem- eu tô gravida. Ele nasce em questão de semanas...por isso não quis te encontrar nenhuma vez durante esse tempo que nos falamos, tive medo que você se afastasse, como todos fizeram...Mas agora nem importa, você já tem alguém, e espero que você seja feliz, viu?
-Preciso saber de uma coisa antes de você desligar.
-O que?
-Você sente o mesmo por mim?
-Do que adianta falar sobre isso agora...hoje cada um segue numa direção.
-Só me responde, por favor!- senti meu coração disparar, mas não tinha mais nada a perder.
-Acho que sim, e desde a primeira vez, sinto que preciso estar com você, na verdade a unica felicidade que tenho tido é falar com você. Meu coração só se acalma quando ouve a sua voz. Eu sei que estou apaixonada, mas também sei que é impossível!
-Me dá teu endereço, tô indo praí!
-Não adianta mais, eu estou de partida, vou estudar musica em outro estado, e sabe, é melhor assim. Você segue, eu sigo, e ta tudo certo.
-Não, não ta tudo certo! Eu não quero te ver  partir, essas coisas não acontecem duas vezes na vida, e eu não vou perder você!
-E sua namorada?
-Ela vai ter que entender, que eu quero e vou ficar com você.

A linha caiu, e eu não pude falar mais nada, mas tinha meu coração aos pulos, como se quisesse sair do meu peito, porém, apesar de tudo que ouvi, não conseguia acreditar em absolutamente nada, como se meu coração estivesse pregando uma peça na minha cabeça.

Ao contrario do que eu esperava, ele não veio bater em minha porta, nem mesmo ligou outra vez, na manhã seguinte, minha mãe me levou ao aeroporto, onde embarquei no voo das nove horas, e até o ultimo segundo esperei que ele surgisse, como naquelas comédias românticas, parasse o avião, e me pedisse pra ficar, mas isso não aconteceu.
Horas depois estava eu em minha nova cidade, organizando em meu quarto o pouco que eu tinha, pensando em como seria minha vida a partir dali, já que em um pouco mais de uma semana, teria em meus braços alguém que dependia exclusivamente de mim.
O cansaço da viagem e a noite anterior que havia sido bastante conturbada, fizeram com que eu adormecesse no meio da tarde, a intenção era ler e acabei dormindo profundamente.

Acordei assustada ouvindo batidas insistentes na porta, me espreguicei e levantei com uma certa dificuldade, devido ao tamanho da barriga, caminhei sonolenta até a porta, e com os olhos ainda meio fechado, a abri, demorei alguns segundos pra aceitar a imagem que meus olhos me mostravam, na verdade, achei que estava sonhando. O belo jovem, de sorriso encantador, com quem eu passara os últimos 8 meses falando, mas que não o via desde nosso único encontro, estava ali, parado, sorrindo para mim. Fiquei paralisada, não sabia o que fazer, tinha medo até de me mover, porém, ele leu meus pensamentos e fez tudo, por nós.
Me abraçou apertado e beijou suavemente meus lábios, ainda sorrindo se convidou para entrar.

- Desculpa o atraso, não consegui lugar no seu voo, meu pai precisou alugar um para que eu pudesse vir, não me perdoaria nunca se te perdesse.
-Mas..mas como...-ele me interrompeu sorrindo, segurando em minha mão e me puxando em sua direção.
-Consegui falar com sua mãe, expliquei tudo a ela, que me deu seu endereço aqui. Olha -disse enquanto acariciava delicadamente meu rosto- sei que isso parece prematuro, insanidade, ou qualquer coisa assim, mas sei que não é, sinto que estou no caminho certo, e arrisco todas as minhas fichas...
Ele tirou do bolso um pacotinho do bolso, onde tinham dois anelzinhos de madeira, ele riu e segurou minha mão.
-Sei que não é exatamente isso que uma mulher espera da vida, mas foi o melhor que eu consegui no caminho do aeroporto - olhou para o chão envergonhado- tava tudo fechado, comprei de um desses hippies...mas Sara...você quer ficar comigo por todos os dias da sua vida, ou até o mundo acabar?
Lagrimas brotaram dos meus olhos e um sorriso imenso surgiu nos meus lábios, o que dizer, além de sim, para aquele que você, ter sido feito para você. Abracei-o e beijei apaixonadamente, porém fomos interrompidos....

-Ai -levei as mãos a barriga, afastando-me dele;
-O que foi? Tá tudo bem?
-Nossa...ai...-outra pontada muito forte.
-Será que é a hora?
-Mas falta ainda umas duas semanas- outra pontada- aiiiiiiiii
-Melhor irmos ao hospital!

Enquanto Lucas procurava o telefone do táxi nas paginas amarelas, eu, amedrontada pegava minha mala do hospital, e em pouco tempo estávamos a caminho da maternidade, ele me envolvia, como se quisesse me proteger de toda aquela dor, e eu me agarrava a ele, como se fosse meu salvador.

Chegando lá, tudo ocorreu muito rápido, fui levada a sala de parte com 7 dedos de dilatação, e enquanto eu fazia força e morria de dor, pensava na solidão que era, estar ali, sozinha, tendo um filho sem pai, então Lucas adentrou a sala, com aquela roupa cirúrgica e mascara, o olhei intrigada e ele sorriu, chegando perto e sussurrando ao meu ouvido.

-Sou o pai, lembra?

Segurou em minha mão e permaneceu ali, junto de mim, até que o ouvimos o choro, era fraquinho, como um miado, a enfermeira o embrulhou em um lençol e o entregou a Lucas, que o olhava maravilhado.

-Você é lindo, carinha, o carinha mais lindo que eu já vi na minha vida. E desde já, vou te contar um segredo, eu amo a sua mãe, tá? E amo você também Alvinho.

Ele colocou meu pequeno em meus braços, eu não podia conter a emoção, meu filho era perfeito, lindo, o ser mais encantador que eu já tinha visto. A enfermeira voltou, pegando o bebê levando para todos os procedimentos necessários.

Lucas segurou me abraçou;

- Enquanto eu respirar, eu vou te amar!

Minhas lembranças foram interrompidas por um chamado no quarto, caminhei pesarosa até lá.
-Mãe, acho que a hora está chegando...- disse meu filho mais velho enquanto suas lagrimas rolavam por seu rosto.
Os outros estavam despedindo-se do pai, senti um bolo na gargante, algo que sei que jamais irá se desfazer, me aproximei da cama, onde estava o homem que eu amo desde o minuto em que o vi pela primeira vez, a quem amei por todos os segundos, que estava ao meu lado há 18 anos, que nunca havia me deixado, que se manteve ao meu lado nos momentos ruins e nos momentos bons, que admirava minhas qualidades e amava meu defeitos, o pai dos meus filhos, que foi pai, inclusive daquele em que seu sangue não corria nas veias.
O homem que me ensinou a viver, a amar, o homem, a quem eu agradeço por tudo que sou.
Nossos filhos deixaram o quarto, e deitei-me ao seu lado na cama, senti o quão difícil estava a dua respiração, ele estava fraco, nem todo dinheiro do mundo pode te ajudar quando chega a hora, e o câncer garantiu que o dele viesse muito cedo.
Beijei delicadamente os seus lábios, e deitei minha cabeça em seu peito, ouvindo seu coração bater, e eu o ouvi dizer, bem fraquinho, com muita dificuldade.

-Enquanto eu respirar e além...


domingo, 6 de janeiro de 2013

O professor

Mais uma vez toca o despertador do relógio, às cinco horas, como em todas as manhãs desde mil novecentos e oitenta e cinco, para ser preciso, desde onze de fevereiro de mil novecentos e oitenta e cinco, meu primeiro dia na faculdade, não tinha nem dezoito anos completos! Que ano!
Bem! Fazem vinte anos, que este relógio desperta todos os dias ao mesmo horário.
                                                                 
- Parabéns para ele! Está mais inteiro do que eu. Mas é claro, ele tem dezessete anos a menos.

Sabe o que é mais engraçado? Uma coisa que só serve para nos lembrar do tempo, aparentemente não é prejudicada por ele.

Idiotices à parte...Só vivo este dia uma vez por ano, deveria ser o dia mais esperado, mas é o dia em que eu mais luto contra. É um dia cheio de incertezas, todas as minhas inseguranças parecem vir à tona. Sim um homem crescido com quarenta e três anos, doutor em minha área, cheio de experiências, rugas, cabelos brancos, etc...

Tudo teoria!!!

Na pratica, não sou nada, não sei nada, me sinto tão jovem e idiota quanto esses adolescentes que hoje virão até mim para conquistar algum conhecimento. Eles terão em média 68 dias para isso, e com toda a minha experiência sei que não conseguiram nada, como eu não consegui!

- Droga! Já estou atrasado de novo, porque perdi tempo conversando com meu despertador.
- Hoje só vou dar bom dia para o chuveiro, senão não chego.

...

- Espelho, espelho meu, existe alguém mais... Mais o que? Mais bonito? É obvio... Mais jovem? Palhaçada... Mais velho? Graças a Deus...

Não sei quem é mais ingrato, o tempo, meu espelho ou meus olhos.

O tempo passa sem dó e nos muda sem ao menos perguntar se é necessário, sem perguntar se queremos outra cor de cabelos, pequenos e profundos vincos na pele encontrados na região do rosto, nos dão outro corpo, outra fisionomia, não nos permite ser quem sempre fomos.

Chronos é capaz de devorar seus filhos, mas não devora suas marcas.

                Bem todo espelho tem complexo de espelho mágico da Branca de Neve, todos mentem para não serem esmigalhados em um momento de fúria do seu senhor.
                Enfim os olhos, que só mostram aquilo que se quer ver, não a verdade. Todas as vezes que vejo meu reflexo enxergo um rosto que mais ninguém vê, os mais românticos diriam que “vejo com os olhos da alma!” Bobagem! Eu me vejo como gostaria de ser, me vejo quando a minha imagem causava prazer nas pessoas. Quando eu tinha mais atributos a serem elogiados do que depreciados.
                Vejo-me garotão, cheio de vida e às vezes penso de acordo com a imagem que tenho na cabeça, mas sempre aparece alguém que me faz ter ciência da minha idade, e todas as conseqüências físicas e psicológicas que ela nos trás.
...

                Uma vez entrei em uma página de internet que dava atestado de loucura para quem conversava com objetos.
                - Contando com você minha cara chave, já foram três em quarenta e cinco minutos.
Mas isso é típico de pessoas sozinhas! Bem, eu moro sozinho.
- Já estou justificando minhas loucuras! – tive um professor que dizia:

“Não justifique seus atos, eles perdem a força”
No entanto justificar faz parte de nós...
...

O trajeto sempre é de trinta minutos a partir da entrada do prédio, às vezes parecem eternos, principalmente no primeiro dia. Nunca se sabe o que vai acontecer, apesar de ter certeza de que nada vai acontecer!

Vejo os jovens apressados caminharem rumo àquilo que acham ser o primeiro dia do resto de suas vidas, os observo, e tento refazer em minha mente a minha euforia de primeiro dia de aula, não como o professor, mas como o aluno que fui um dia, chega a ser engraçado olhar nos olhos deles e ver uma esperança que eu tinha há trinta anos, a esperança de que esse ano vai ser diferente.

Os não populares acham que serão, os nerds que serão os queridinhos do professor, as bonitas que encontraram o homem de suas vidas, o bonitos que acharam a gostosa que vai transar sem querer compromisso, os feios que virarão cisnes, os espalhafatosos que terão platéia e os tímidos sonham simplesmente que terão voz!

O primeiro dia de aula para os alunos torna-se uma espécie de desfile de modas, de fofoquinhas e mentirinhas inocentes, que permitem que as férias de um não sejam menos importantes que as férias do outro.
Entre os professores a discussão é mais profunda, é o salário que não aumenta, os filhos que crescem os maridos que vão, as esposas que vem e assim vai...
Sempre tive aversão a sala dos professores, essas histórias de certa forma me incomodam, eu nunca entendi essa necessidade do ser humano de revelar aos outros aquilo que não lhes interessa, se a necessidade é de conversar encontre com aquele melhor amigo de infância, ou pague um psicólogo, mas alugar os ouvidos de um coitado só porque ele estava por acaso tomando o seu café para agüentar o sono nas primeiras aulas do dia depois de ter suportado três jornadas no dia anterior, já é demais! Muitos até dizem que sou o professor fantasma, pois é difícil alguém me encontrar andando a toa pela escola, eu prefiro mil vezes estar na sala de aula ouvindo as conversas estranhas e muitas vezes sem sentido, do que a vida frustrada da inspetora de aluno.
                                                                    
                                                                         (continua)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Suícidas

Sentada à mesa reconta novamente os comprimidos, enquanto mantém os olhos fixos na bula, para ter certeza de que a dose será a correta.
Empurra-os para as mãos, apanha com copo com água previamente preparado, e caminha pesadamente até o quarto onde se deita, coloca delicadamente o copo sobre o criado mudo e ajeita um envelope entre o telefone e o abajur.
Respira fundo, enche-se de coragem, leva a mão com os remédios até a boca, e sua ação é interrompida pelo barulho do telefone.
Pensou apenas em ignorar, mas o barulho tirava-lhe toda a concentração.
Podia desligar o aparelho, mas este era uma extensão, e o da sala permaneceria tocando.
E também se não atendesse, alguém poderia suspeitar de suas intenções, e ir resgatá-la no ultimo segundo, na verdade sabia que essa ultima hipótese era apenas uma ilusão.
Optou por atender ao telefone, seria bom ouvir uma voz conhecida antes de tudo.

-Alô - disse com a voz um tanto tremula.
-Alô - respondeu uma voz completamente desconhecida do outro lado.
Só faltava essa, telemarketing, pensou enraivecida.
-Olha não quero comprar nada não, ta bom querido.
-Mas eu não tô vendendo nada, não senhora.
-Também não tenho interesse de participar de nenhuma pesquisa.
-Não se trata de uma pesquisa!
-Então foi engano? Se foi, desliga logo, que eu tô ocupada!
-Na verdade...liguei para um número aleatório, precisava falar com alguém antes de tudo.
Um frio subiu-lhe a espinha.
-Antes de tudo o que, moço?
Por um instante o telefone ficou mudo, porém ela podia ouvir a respiração ofegante do sujeito.
-Moço? Moçô! Cê tá aí ainda? Antes do que?
-Eu vou me matar!
Disse ele de uma vez, como se não quisesse ouvir o som das própria palavras. Ela revirou os olhos, respirou pausadamente.
-Não brinca! Jura! É alguma pegadinha? Quem te mandou fazer essa palhaçada? Foi o otário do Pimpão,né?
-Pimpão?
-É o Pimpão!
-Não senhora, não sei de quem a senhora ta falando não, acho que não tenho nenhum conhecido com um apelido tão idiota...o que eu disse é sério, estou prestes a me jogar da sacada, e só queria falar com alguém antes de morrer. Só não queria alguém conhecido, que quisesse vir aqui me salvar, só quero morrer sabe?
-Ô se sei...eu...eu...eu também estou me preparando pra isso!
-Pra me salvar?
-Não, pra morrer!
-Você tá doente?
-Não, vou me matar!
-Ah, fala sério! Agora é você quem está de brincadeira, é feio zuar um futuro morto!
-Mas é verdade, tô aqui com os comprimidos e já tava colocando na boca quando você ligou!
-Você sabe que quem quer se matar não toma remédio, né?
-Nem pula da sacada!
-Minhas chances de morrer são maiores que as suas...
-Não se eu for encontrada muito tempo depois, tipo, uns três dias.
-Nossa, ninguém te visita não?
-Não! Ei, o que você tem com isso?
-Eu, nada! Só é triste...
-Se minha vida não fosse triste eu não iria querer morrer, né?
-Então me conta, o que exatamente te levou a esse extremo?
-Você é psicologo? Por que quer saber da minha vida?
-Sou não! Só achei que se eu visse uma vida mais miserável que a minha, teria um motivo pra viver.
-Não existe nenhum motivo que te prenda a vida?
-Nenhum! Tudo o que eu penso, me leva a querer morrer ainda mais rápido, frequentemente me pergunto: Por que não morrer? E nada me ocorre. Vejo o mundo indo ladeira à baixo, a humanidade, uma instituição falida! Não gosto dos meus parentes, amigos, só tive de ocasião, hoje nem sei por onde andam, amores, não nasci pra ser amado, não existe ninguém no mundo pra mim. Estudei a vida toda, pra nem conseguir exercer a minha profissão, e mesmo assim, fui mandado embora ontem, e do jeito que o mercado de trabalho anda, não vou conseguir outro tão cedo! Minhas contas vão atrasar, vou ser despejado, vou ter que morar na rua, comer lixo, e em algum momento um riquinho vai jogar gasolina em mim e tocar fogo, então, antes que isso aconteça, prefiro eu terminar com a minha vida, do meu jeito!
-Você é meio extremista, né?
-Olha quem fala, você quer se matar!
-Só que eu, não vou me matar pelo e se...vou me matar por algo de verdade, algo que já me mata há algum tempo.
-Hmmm, doença terminal...o que você tem?
-Não, não tenho nada, não me refiro a uma doença!
-Então você apanha do seu marido e antes que ele te mate você vai fazer esse favor a ele?
-Para de deduzir, deixa eu falar! Nem casada eu sou...
-Então é por isso, se fosse casada ia ter com o que se ocupar.
-Quer ou não ouvir?
-Desculpa, fala!
-Meu namorado me trocou por outro.
um silencio, depois uma risada
-Outro? Diz que seu ex não é o tal Pimpão!
-É sim!
-Só você não sabia que ele é gay, né? Ah...isso você supera, aquela cantora passou pela mesma coisa e em vez de se matar, ficou rica e famosa.
-Mas ela tinha talento, eu não tenho nada!
-Eu entendo, chega uma hora que a gente cansa de não ser ninguém, de olhar na multidão e ser só um rosto, igual a todos os outros, e não ter nada, nadinha que te faça especial... As vezes eu queria que alguém me visse de um modo que ninguém mais vê, não precisava ser importante para o mundo todo, bastava ser para alguém, um único alguém...Um pai, um filho, um amigo, um amor. Sabe, não queria confete, nem mesmo ser notado em meio a multidão, não almejo fama, fortuna, nada disso, só queria...só queria, chegar em casa ao fim do dia e receber um sorriso amigo, ter com quem conversar, dizer o que vi de belo e novo, ou resmungar sobre um dia chato...
-Solidão mata mais que a morte.
-Por isso vou dar fim à isso! Obrigado por ter me ouvido, agora chegou a hora de dizer adeus, foi um prazer  te conhecer, pena que tenha sido nessas circunstancias, tenho certeza que seriamos muito amigos, talvez...fossemos até menos solitários, né?
-É, talvez fossemos mesmo, talvez nossa vida fosse outra e nessa noite estaríamos...felizes.
-Bem...te vejo do outro lado, já que os suicidas vão para o mesmo lugar.
-Até!
Barulho de telefone desligando, pensou que a vida era injusta, por que não conhecera esse sujeito uns dias antes, umas horas apenas, gostara tanto de conversar com ele, e talvez nesse instante ele já estivesse morto. A história de sua vida, nunca ganhara absolutamente nada,perdeu tudo que lhe era caro, os pais num acidente na véspera de natal, cresceu sendo empurrada de parente em parente, até que decidiu viver sozinha, jamais criara laços, por medo de rompê-los. Nunca viu uma mão estendida em sua direção, sempre sozinha,vida assim nem merece ser vivida.
Colocou os remédios na boca e os engoliu com ajuda da água, apagou a luz e deitou, esperando ser levada ao sono eterno.
Outra vez o telefone toca, ela já não tem mais os mesmos reflexos e sente seu corpo amolecendo, ela atende, sua voz está fraca, quase como um sussurro.
-Oi
-Diz que você ainda não tomou os remédio?
-Você ta vivo? Achei que a essa hora já era pizza de asfalto.
-Eu cheguei a subir na mureta, daí pensei, qual a provabilidade de um sujeito que está prestes a se matar, ligar para uma garota que também está prestes a se matar? Destino! Temos algo juntos e quero descobrir o que é!
-Agora é tarde querido, os remédio já estão cumprindo com seu papel, e em breve estarei dormindo pra sempre.
-Não! Não pode! Nunca me senti a vontade assim com ninguém, e não é agora que eu te encontrei que vou te deixar partir, diz onde você está que mando um resgate.
-Mas...e se não der certo?
-Uma moça me disse pra não fazer nada baseado em "e se".
Do outro lado ela sorriu, e sentiu as lagrimas quentes rolando por seu rosto frio.
- rua dos laranjais, 312, bloco 6 apartamento 615. Só não fica triste se não der tempo, pois se assim for...é porque não ia dar certo tá?
-Vai dar!
Mais uma vez o telefone desligado, dessa vez ela não tinha forças nem para colocar o fone no móvel ao seu lado, deixou o cair. Sentiu seus olhos pesarem, sentiu seu corpo tombando, fechou os olhos, os pensamentos cessaram, era o fim!

Porém...nem sempre o fim ou a morte são como pensamos, as vezes é necessário finalizar uma etapa para começar outra, morrer de vez em quando para renascer mais forte.

Barulho de passos, sentiu um vento frio tocando-lhe o rosto, aos poucos foi abrindo os olhos, a claridade lhe incomodava, mas não conseguia mover o braço para tapar os olhos, foi acostumando-se a luz, até que um vulto tapou-lhe a visão do sol, piscou algumas vezes buscando o foco, e viu um rosto completamente desconhecido, seria ele o médico, pensou.

-Bem vinda bela adormecida!
Aquela voz, sim, conhecia aquela voz.
-Então é você!
Ele sorriu, e passou delicadamente os dedos por ser cabelos.
-Te disse que quem quer se matar não toma remédio!
Ela riu.
-Obrigada. E sabe...agora você realmente é único para alguém.
Os olhos dele encheram-se de lagrimas.
E ela percebeu que a partir daquele momento nunca mais estaria sozinha.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O Bêbado

- Mais uma!
- Já não basta por hoje? Assim mal conseguirá encontrar o caminho de volta pra casa!
Riu amargamente, entornou o copo de cachaça, olhou o homem que estava em sua frente com um guardanapo de pano e uma garrafa de bebida.
- O que te faz pensar que eu tenho uma?
O homem respirou fundo, aguentara bêbados o dia todo, tudo o que não queria era outra história entediante, bem no fim do expediente.
- Porque todos temos senhor, seja perto, longe, feia, bonita, cheia ou vazia, mas todos tem uma casa.
-Tem razão! -  disse de forma enrolada - Casa é só uma casca, um abrigo da chuva, lar é o que eu não tenho!
O homem revirou os olhos enquanto enchia o copo do bêbado.
-Lar e casa, são exatamente a mesma coisa, senhor!
- Não! - afirmou duramente com um soco na mesa - Lar, é onde alguém te espera, lar é onde existe alguém que te ama, lar é onde você se sente seguro, lar é onde você guarda seu coração! - bebeu de um só gole - O lar é a alma da casa, uma construção de alvenaria, é só uma construção de alvenaria se ninguém fizer dela um lar.
Eu tive um lar, mas não sabia disso, não!
Mas eu era um moleque, e o que um moleque sabe da vida, queria saber de farra, de prostitutas, bebidas, noitadas, orgias, nada que me prendesse parecia bom.
Nunca entendi as pessoas se prenderem por opção, e amigos casados, eram amigos mortos!
Perdi a conta de quantas mulheres tive na minha cama, ou em camas de motéis espalhados pela cidade, e companheiros de copo, amigos de farra, milhares, fui entre os populares, o mais popular, o mais desejado, isso sobe a cabeça, sabe? Você meio que se sente Deus, onipotente. Fiz coisas das quais não me orgulho nem um pouco, e outras que apesar do buraco onde me encontro, meu ego ainda faz com que eu me orgulhe de tais feitos.
Um dia conheci alguém, ela era linda e impossível de ser tocada, era casada, religiosa, um exemplo de mulher, forte, independente, responsável, tudo o que eu não era, não que eu acredite que os opostos se atraiam, na verdade, eu acredito que você só vai até alguém diferente de você por interesse, por querer tirar dessas pessoa exatamente aquilo que ela tem e você por si só, jamais terá!
No meu caso, porque a mulher mais gostosa do mundo pra mim, era aquela que eu ainda não tinha comido.- sorriu mais, mas dessa vez desdenhando do que ele mesmo disse- E assim comecei uma jornada sem volta. Eu a queria e nada nesse mundo me impediria de tê-la, a arrancaria das mãos do marido, seria para ela o homem perfeito, convenhamos, os homens se esquecem que mesmo casados eles precisam conquistar suas mulheres, porque se eles não fizerem, um outro fará, e eu fiz.
Cada dia uma surpresa, dinheiro não era problema, flores, chocolates, jóias, poesias...-nesse momento tinha o olhar perdido, como se conseguisse ver cada coisa a qual se referia- não pense que foi fácil, ela jogou muitos buquês de rosas no lixo e suas amigas amaram cada bombom caro que eu enviei, mas foi uma declaração de amor, que encontrei num velho de poesias que me deu o grande premio, ela já estava bastante inclinada, eu só dei o golpe de misericórdia, via a cada dia que se passava, um amor crescer nos olhos dela, e eu tinha pena dela, porque eu era um lixo, mas canalha que é canalha segue firme até o fim.
Fiz dela uma princesa, uma rainha, frases feitas, poesias copiadas, jantares romântico, danças e muito sussurro ao pé do ouvido, mas foram as três palavras mais valiosas do mundo que me dera o que eu queria, palavras que na minha boca, eram apenas palavras ao vento.
Mas ela se entregou, me deu o melhor de si, me amou, como nunca aconteceu em minha vida, eu podia sentir aquilo que eu julgava não existir, era forte, era... incrível - fez uma pausa, bebeu mais um gole- isso me assustou, não era o que eu queria, não podia, não prestava pra mim. Quando deixei-a aquela noite, eu estava decidido a deixá-la e ela havia decidido ficar comigo.
Eu sumi por quase um mês, fui viajar com três vadias, e mesmo assim não conseguia fechar meus olhos sem vê-la em minha mente, mas eu apagaria, qualquer centelha que tivesse se acendido em mim naquela noite.
Quando voltei, já era outro, bem... era o de sempre.
Ela correu pra mim, mas eu não a recebi, antes que ela dissesse qualquer coisa, coloquei um ponto final. Revelei a ela o monstro, meu verdadeiro eu.
Ela sorriu, o sorriso mais dolorido que já vi alguém dar, secou as lagrimas que rolavam pelo seu rosto, ajeitou os cabelos, deu-me as costas e se foi.
Senti naquele momento, algo em mim se partir, senti dor, mas nada comparado ao que eu sentiria um tempo depois.
Mais um ano se passou, sem que eu tivesse noticias ela, largou o emprego, mudou de cidade, desapareceu por completo da minha vista, até que um dia, passando pela mesa de uma das secretárias, vi a foto de um bebê na tela do computador, sorri e perguntei que era o pequeno.

-Ah, doutor, é o filho Val.
-Da Val? - Perguntei indignado-  Não sabia que ela tinha um filho!
-Mas não tinha, ele ta fazendo seis meses agora.

Fui tomado por um pânico, olhei a foto, e me vi, meus olhos, meu sorriso, corri pra minha sala e comecei a fazer contas e dava exatamente, o garoto era meu!

Uma estranha alegria tomou conta de mim, eu tinha um filho, e um filho com a mulher que me fez sentir completo na vida, um fruto de amor, amor de verdade, eu precisava encontrá-los.

Consegui o novo endereço, uma cidade no interior, mal pensei, peguei o carro e dirigi sem parar até chegar no portão da casa dela, onde deveria e seria meu lar, onde minha família, a única coisa que eu sentia amor, me esperava.
Ela me recebeu com muita serenidade, convidou-me pra entrar, cheia de formalidades, entendi, considerando tudo o que aconteceu, mas eu tinha a certeza de que ao fim da conversa, ela estaria em meus braços.
Calmamente ela me explicou que na noite em que veio me encontrar, já sabia da gravidez, e que havia se separado do marido, mas eu nem quis ouvi-la, simplesmente a destruí com cada palavra que proferi, devastada, ela foi para o  porto seguro que lhe restava, o ex marido, esse deu-lhe o ombro, a mão, o amor, cuidado e carinho que precisava, disse-lhe que criaria a criança como se fosse dele, a única condição seria que ela nunca mais me encontrasse, nem mesmo que do outro lado da rua, ela aceitou, e por isso se mudaram, ela me contava tudo isso, não por me amar, ou por qualquer coisa assim, pois do que ela sentia, nada sobrou, nenhum sentimento, nem mesmo rancor.
Ela me mostrou uma fotografia de seu marido com o filho, um homem moreno de cabelos encaracolados, segurando um bebê loiro de olhos azuis, idênticos aos meus. Disse apenas que tentaria me esconder dele, o quanto pudesse, mas que um dia ele entenderia a diferença, e talvez queira saber quem sou, pediu-me, um favor, que ao menos para ele, eu mentisse, que fosse o homem que conquistou o seu amor, não o monstro que na realidade eu era, tendo dito isso, pediu que eu me retirasse, e que não aparecesse nunca mais, eu não era bem vindo!
Nunca senti uma dor assim, talvez nem se tivessem arrancado meus membros a dor seria igual!

Fez uma pausa brusca, olhou em volta procurando o garçom com que falava, avistou um homem limpando o balcão.

-Filho, onde está o homem com quem eu estava conversando?

O homem riu.

-Vixi, o senhor ta falando sozinho faz mais de meia hora, o expediente dele acabou e ele foi embora.

Levantou-se, tirou da carteira uns trocados, jogou na mesa, iniciou uma caminhada lenta até a porta.

-Não se fazem mais garçons como antigamente!