Mais uma vez toca o despertador do relógio, às cinco
horas, como em todas as manhãs desde mil novecentos e oitenta e cinco, para ser
preciso, desde onze de fevereiro de mil novecentos e oitenta e cinco, meu
primeiro dia na faculdade, não tinha nem dezoito anos completos! Que ano!
Bem!
Fazem vinte anos, que este relógio desperta todos os dias ao mesmo horário.
-
Parabéns para ele! Está mais inteiro do que eu. Mas é claro, ele tem dezessete
anos a menos.
Sabe o que é mais engraçado? Uma coisa que só serve
para nos lembrar do tempo, aparentemente não é prejudicada por ele.
Idiotices à parte...Só vivo este dia uma vez por ano,
deveria ser o dia mais esperado, mas é o dia em que eu mais luto contra. É um
dia cheio de incertezas, todas as minhas inseguranças parecem vir à tona. Sim
um homem crescido com quarenta e três anos, doutor em minha área, cheio de
experiências, rugas, cabelos brancos, etc...
Tudo
teoria!!!
Na pratica, não sou nada, não sei nada, me sinto tão
jovem e idiota quanto esses adolescentes que hoje virão até mim para conquistar
algum conhecimento. Eles terão em média 68 dias para isso, e com toda a minha
experiência sei que não conseguiram nada, como eu não consegui!
-
Droga! Já estou atrasado de novo, porque perdi tempo conversando com meu
despertador.
-
Hoje só vou dar bom dia para o chuveiro, senão não chego.
...
-
Espelho, espelho meu, existe alguém mais... Mais o que? Mais bonito? É obvio...
Mais jovem? Palhaçada... Mais velho? Graças a Deus...
Não sei quem é mais ingrato, o tempo, meu espelho ou
meus olhos.
O tempo passa sem dó e nos muda sem ao menos perguntar
se é necessário, sem perguntar se queremos outra cor de cabelos, pequenos e
profundos vincos na pele encontrados na região do rosto, nos dão outro corpo,
outra fisionomia, não nos permite ser quem sempre fomos.
Chronos é capaz de devorar seus filhos, mas não devora
suas marcas.
Bem todo espelho tem complexo de
espelho mágico da Branca de Neve, todos mentem para não serem esmigalhados em
um momento de fúria do seu senhor.
Enfim os olhos, que só mostram
aquilo que se quer ver, não a verdade. Todas as vezes que vejo meu reflexo
enxergo um rosto que mais ninguém vê, os mais românticos diriam que “vejo com
os olhos da alma!” Bobagem! Eu me vejo como gostaria de ser, me vejo quando a
minha imagem causava prazer nas pessoas. Quando eu tinha mais atributos a serem
elogiados do que depreciados.
Vejo-me garotão, cheio de vida e
às vezes penso de acordo com a imagem que tenho na cabeça, mas sempre aparece
alguém que me faz ter ciência da minha idade, e todas as conseqüências físicas
e psicológicas que ela nos trás.
...
Uma vez entrei em uma página de
internet que dava atestado de loucura para quem conversava com objetos.
-
Contando com você minha cara chave, já foram três em quarenta e cinco minutos.
Mas
isso é típico de pessoas sozinhas! Bem, eu moro sozinho.
-
Já estou justificando minhas loucuras! – tive um professor que dizia:
“Não
justifique seus atos, eles perdem a força”
No
entanto justificar faz parte de nós...
...
O trajeto sempre é de trinta minutos a partir da
entrada do prédio, às vezes parecem eternos, principalmente no primeiro dia.
Nunca se sabe o que vai acontecer, apesar de ter certeza de que nada vai
acontecer!
Vejo os jovens apressados caminharem rumo àquilo que
acham ser o primeiro dia do resto de suas vidas, os observo, e tento refazer em
minha mente a minha euforia de primeiro dia de aula, não como o professor, mas
como o aluno que fui um dia, chega a ser engraçado olhar nos olhos deles e ver
uma esperança que eu tinha há trinta anos, a esperança de que esse ano vai ser
diferente.
Os não populares acham que serão, os nerds que serão
os queridinhos do professor, as bonitas que encontraram o homem de suas vidas,
o bonitos que acharam a gostosa que vai transar sem querer compromisso, os
feios que virarão cisnes, os espalhafatosos que terão platéia e os tímidos
sonham simplesmente que terão voz!
O primeiro dia de aula para os alunos torna-se uma
espécie de desfile de modas, de fofoquinhas e mentirinhas inocentes, que
permitem que as férias de um não sejam menos importantes que as férias do
outro.
Entre
os professores a discussão é mais profunda, é o salário que não aumenta, os
filhos que crescem os maridos que vão, as esposas que vem e assim vai...
Sempre
tive aversão a sala dos professores, essas histórias de certa forma me
incomodam, eu nunca entendi essa necessidade do ser humano de revelar aos
outros aquilo que não lhes interessa, se a necessidade é de conversar encontre
com aquele melhor amigo de infância, ou pague um psicólogo, mas alugar os
ouvidos de um coitado só porque ele estava por acaso tomando o seu café para
agüentar o sono nas primeiras aulas do dia depois de ter suportado três
jornadas no dia anterior, já é demais! Muitos até dizem que sou o professor
fantasma, pois é difícil alguém me encontrar andando a toa pela escola, eu prefiro
mil vezes estar na sala de aula ouvindo as conversas estranhas e muitas vezes
sem sentido, do que a vida frustrada da inspetora de aluno.
(continua)
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