domingo, 6 de janeiro de 2013

O professor

Mais uma vez toca o despertador do relógio, às cinco horas, como em todas as manhãs desde mil novecentos e oitenta e cinco, para ser preciso, desde onze de fevereiro de mil novecentos e oitenta e cinco, meu primeiro dia na faculdade, não tinha nem dezoito anos completos! Que ano!
Bem! Fazem vinte anos, que este relógio desperta todos os dias ao mesmo horário.
                                                                 
- Parabéns para ele! Está mais inteiro do que eu. Mas é claro, ele tem dezessete anos a menos.

Sabe o que é mais engraçado? Uma coisa que só serve para nos lembrar do tempo, aparentemente não é prejudicada por ele.

Idiotices à parte...Só vivo este dia uma vez por ano, deveria ser o dia mais esperado, mas é o dia em que eu mais luto contra. É um dia cheio de incertezas, todas as minhas inseguranças parecem vir à tona. Sim um homem crescido com quarenta e três anos, doutor em minha área, cheio de experiências, rugas, cabelos brancos, etc...

Tudo teoria!!!

Na pratica, não sou nada, não sei nada, me sinto tão jovem e idiota quanto esses adolescentes que hoje virão até mim para conquistar algum conhecimento. Eles terão em média 68 dias para isso, e com toda a minha experiência sei que não conseguiram nada, como eu não consegui!

- Droga! Já estou atrasado de novo, porque perdi tempo conversando com meu despertador.
- Hoje só vou dar bom dia para o chuveiro, senão não chego.

...

- Espelho, espelho meu, existe alguém mais... Mais o que? Mais bonito? É obvio... Mais jovem? Palhaçada... Mais velho? Graças a Deus...

Não sei quem é mais ingrato, o tempo, meu espelho ou meus olhos.

O tempo passa sem dó e nos muda sem ao menos perguntar se é necessário, sem perguntar se queremos outra cor de cabelos, pequenos e profundos vincos na pele encontrados na região do rosto, nos dão outro corpo, outra fisionomia, não nos permite ser quem sempre fomos.

Chronos é capaz de devorar seus filhos, mas não devora suas marcas.

                Bem todo espelho tem complexo de espelho mágico da Branca de Neve, todos mentem para não serem esmigalhados em um momento de fúria do seu senhor.
                Enfim os olhos, que só mostram aquilo que se quer ver, não a verdade. Todas as vezes que vejo meu reflexo enxergo um rosto que mais ninguém vê, os mais românticos diriam que “vejo com os olhos da alma!” Bobagem! Eu me vejo como gostaria de ser, me vejo quando a minha imagem causava prazer nas pessoas. Quando eu tinha mais atributos a serem elogiados do que depreciados.
                Vejo-me garotão, cheio de vida e às vezes penso de acordo com a imagem que tenho na cabeça, mas sempre aparece alguém que me faz ter ciência da minha idade, e todas as conseqüências físicas e psicológicas que ela nos trás.
...

                Uma vez entrei em uma página de internet que dava atestado de loucura para quem conversava com objetos.
                - Contando com você minha cara chave, já foram três em quarenta e cinco minutos.
Mas isso é típico de pessoas sozinhas! Bem, eu moro sozinho.
- Já estou justificando minhas loucuras! – tive um professor que dizia:

“Não justifique seus atos, eles perdem a força”
No entanto justificar faz parte de nós...
...

O trajeto sempre é de trinta minutos a partir da entrada do prédio, às vezes parecem eternos, principalmente no primeiro dia. Nunca se sabe o que vai acontecer, apesar de ter certeza de que nada vai acontecer!

Vejo os jovens apressados caminharem rumo àquilo que acham ser o primeiro dia do resto de suas vidas, os observo, e tento refazer em minha mente a minha euforia de primeiro dia de aula, não como o professor, mas como o aluno que fui um dia, chega a ser engraçado olhar nos olhos deles e ver uma esperança que eu tinha há trinta anos, a esperança de que esse ano vai ser diferente.

Os não populares acham que serão, os nerds que serão os queridinhos do professor, as bonitas que encontraram o homem de suas vidas, o bonitos que acharam a gostosa que vai transar sem querer compromisso, os feios que virarão cisnes, os espalhafatosos que terão platéia e os tímidos sonham simplesmente que terão voz!

O primeiro dia de aula para os alunos torna-se uma espécie de desfile de modas, de fofoquinhas e mentirinhas inocentes, que permitem que as férias de um não sejam menos importantes que as férias do outro.
Entre os professores a discussão é mais profunda, é o salário que não aumenta, os filhos que crescem os maridos que vão, as esposas que vem e assim vai...
Sempre tive aversão a sala dos professores, essas histórias de certa forma me incomodam, eu nunca entendi essa necessidade do ser humano de revelar aos outros aquilo que não lhes interessa, se a necessidade é de conversar encontre com aquele melhor amigo de infância, ou pague um psicólogo, mas alugar os ouvidos de um coitado só porque ele estava por acaso tomando o seu café para agüentar o sono nas primeiras aulas do dia depois de ter suportado três jornadas no dia anterior, já é demais! Muitos até dizem que sou o professor fantasma, pois é difícil alguém me encontrar andando a toa pela escola, eu prefiro mil vezes estar na sala de aula ouvindo as conversas estranhas e muitas vezes sem sentido, do que a vida frustrada da inspetora de aluno.
                                                                    
                                                                         (continua)

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